Encerrou-se nesta quarta-feira, 3, a fase da sustentação oral das defesas dos oito réus no julgamento do STF (Supremo Tribunal Federal). A Primeira Turma da Corte iniciou, na terça-feira, 2, a audiência para analisar a ação penal contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outras sete pessoas por suposta tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022.
O ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, abriu o julgamento afirmando que a sessão tem como objetivo pacificar o País e isso apenas seria possível com o respeito à Constituição Federal de 1988 e a aplicação das leis. O magistrado ainda mencionou o inquérito em que o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-presidente, foi indiciado por coação e obstrução de Justiça, destacando que “jamais faltará coragem para repudiar inimigos da soberania nacional”.
Em outro momento, o ministro relembrou os atos antidemocráticos do 8 de janeiro de 2023 — quando apoiadores de Bolsonaro invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes — e mencionou as ações estrangeiras, como as sanções aplicadas pelos Estados Unidos, para “coagir” o Supremo.
Em seguida, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, iniciou a leitura da acusação na qual defendeu a necessidade de se reprimir tentativas de golpe e destacou que não é preciso uma ordem oficial assinada para configurar crime contra o Estado, bastam reuniões de teor golpista.
“Quando o presidente da República e depois o ministro da Defesa [Paulo Sérgio Nogueira] convocam a cúpula militar para apresentar documento de formalização de golpe de Estado, o processo criminoso já está em curso”, explicou.
O procurador defendeu a validade da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, embora tenha apontado omissões do militar. Na visão de Gonet, o acordo de colaboração agregou “profundidade” aos fatos apurados de forma independente pela Polícia Federal.
Pronunciamentos das defesas
Assim que se encerrou o momento da acusação, iniciaram-se os pronunciamentos das defesas dos réus, com tempo de até uma hora cada.
- Mauro Cid
O primeiro a abrir a rodada foi o advogado Jair Alves Pereira, representante de Mauro Cid, que negou uma suposta coação e destacou que sem a colaboração do tenente-coronel as autoridades não teriam conhecimento sobre temas relevantes, como a reunião do ex-chefe do Executivo com a cúpula das Forças Armadas.
A defesa também se dirigiu ao ministro Luiz Fux e afirmou que Cid prestou outros depoimentos à Polícia Federal para fornecer mais detalhes, não por falhas em sua delação. Por isso, para Jair Alves Pereira, “não seria justo” ocorrer uma quebra no acordo, visto que o réu colaborou com a Justiça.
Pereira ainda comunicou que Mauro Cid pediu para deixar o Exército há cerca de um mês, porque “não tem mais condições psicológicas de continuar como militar”, mas ainda não teve decisão sobre a solicitação.
Cezar Bitencourt, também defensor de Cid, afirmou que não há mensagens de autoria do tenente-coronel propondo ou incentivando atentados à democracia e que a acusação confunde vínculo funcional com conduta criminosa.
- Alexandre Ramagem
O advogado Paulo Renato Cintra Pinto solicitou ao Supremo que julgue o caso sem incorporar a chamada “Abin Paralela”, e alegou que a PGR teria cometido um “grave equívoco” como tratar como “log de acesso ao sistema FirstMile”, pois seria um registro que se referia à entrada física na agência.
Cintra também relatou que seu cliente agia por conta própria ao defender o voto impresso. Segundo a defesa, os documentos encontrados durante as investigações apontam que Ramagem costumava anotar “tudo”.
“Não há elementos nos autos, elementos de informação, elementos de prova que demonstrem que esses documentos tenham sido transmitidos ou entregues ao então presidente da República”, emendou.
A Polícia Federal apontou em relatório que Ramagem teria utilizado a estrutura da Abin, quando era chefe do órgão, para municiar o ex-presidente para “desacreditar o processo eleitoral brasileiro”.
Antes de encerrar a sustentação, o advogado foi repreendido pela ministra Cármen Lúcia sobre a distinção entre “processo eleitoral auditável” e “voto impresso”.
- Almir Garnier
A defesa do almirante Almir Garnier, ex-comandante da Marinha, se concentrou na liberdade de expressão. O advogado Demóstenes Torres afirmou: “as coisas mais desagradáveis podem ser ditas em nome da liberdade”, sem criminalização. Além disso, negou que o militar tenha aderido a quaisquer plano golpista em reuniões no Palácio do Alvorada.
Para a defesa, as declarações de Mauro Cid são “equívocas ou omitidas”, e a PGR defender uma “mitigação” da pena do delator é uma “jabuticaba”.
“Hoje, ou se homologa e aceita a delação, ou ela é rescindida. Nós não estamos pedindo a nulidade, estamos pedindo a rescisão da delação”, completou.
- Anderson Torres
Já o advogado Eumar Novacki, que representa o ex-ministro Anderson Torres, acusou a procuradoria-geral de promover um “linchamento moral” ao levantar suspeitas sobre a compra de passagens para os EUA na véspera do 8 de janeiro, pois a viagem estava marcada desde novembro.
A defesa ainda sustentou que não há provas que atribuem diretamente o ex-ministro à trama golpista, e ressaltou que a minuta encontrada em sua casa foi recebida de forma circunstancial, sem valor.
Ao pedir a absolvição do cliente, Novacki destacou que Torres agiu de boa-fé com a Justiça quando forneceu senhas de seu celular e e-mail.
- Augusto Heleno
O advogado Matheus Mayer Milanez, que representa Augusto Heleno, iniciou sua fala criticando a conduta do ministro Alexandre de Moares, relator do caso, afirmando que ele colheu provas e teria coagido o réu.
O advogado indagou o número de perguntas feitas pelo relator do caso, 302, enquanto a PGR fez 59 durante a oitiva de Heleno. “Se o réu não responde a alguma pergunta, não prevalece o indúbio para o réu? Então qual a função da consignação das perguntas, se não o constrangimento do interrogado? Ao se colocar as suas perguntas, se o interrogando não responde a alguma pergunta, não estaria ele coagido a responder de certa forma? Então para esta defesa técnica fica muito evidente e fica claro a questão da nulidade pela violação do sistema acusatório e do direito ao silêncio”, pontuou.
Para tratar sobre o recolhimento de provas em depoimentos de testemunhas, Malinez usou como exemplo o caso Waldo Manuel de Oliveira Aires que foi questionado por Moraes sobre uma publicação nas redes sociais “que não consta nos atos” do processo.
“Ou seja, temos uma postura ativa do ministro relator de investigar testemunhas. Por que o Ministério Público não fez isso? Qual o papel do juiz julgador, ou é um juiz inquisidor? O juiz é imparcial, afastado da causa, então por que o magistrado tem a iniciativa de pesquisar as redes sociais da testemunha?”, questionou o advogado.
Na visão da defesa, não era “possível analisar” os 80 terabytes de informações que constam nos autos da ação penal, e ressaltou sobre a necessidade de o material ser catalogado, com índice ou sumário que permitisse a avaliação do conteúdo. Mas, segundo advogado, o pedido foi negado sob a justificativa que esse tempo seria utilizado para adiar o julgamento.
- Jair Bolsonaro
O advogado Celso Villardi, um dos representantes da defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro, iniciou sua sustentação afirmando que não teve acesso à integra das provas colocadas no processo. Para o jurista, as provas oram escolhidas pela PF e a PGR e que recortes foram usados para embasar as acusações contra o ex-presidente.
“Não houve paridade de armas. Nós não tivemos o tempo que o Ministério Público e a Polícia Federal tiveram. E nós não tivemos acesso à prova durante a instrução. Eu quero dizer a vossas excelências, com 34 anos, é a primeira vez que eu venho a uma tribuna com toda a humildade para dizer o seguinte: eu não conheço a íntegra desse processo. Eu não conheço. O conjunto da prova, eu não conheço. São bilhões de documentos numa instrução de menos de 15 dias, seguida de um interrogatório”, pontuou.
Villardi também rebateu as acusações de que Bolsonaro tinha ciência e teria participado do plano “Punhal Verde e Amarelo”, que previa a morte de autoridades como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), do ministro Alexandre de Moraes, do STF, e do vice-presidente Geraldo Alckmin. Para PGR, Jair Bolsonaro sabia do plano e chegou a dar aval para a operação que seria realizada no dia da diplomação do petista no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
- Paulo Sérgio Nogueira
Andrew Fernandes, advogado do ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira, ressaltou que seu cliente tentou demover o ex-presidente das supostas tentativas golpistas.
“O general Paulo Sérgio tinha a responsabilidade de ser o ministro da Defesa e honrar a memória de Caxias e das Forças Armadas”, explicou. Para a defesa, o fato de o ex-ministro ter sido alvo ataques por parte de outros membros das Forças Armadas comprova que ele não fez parte do plano de ruptura democrática.
Paulo Sérgio admitiu que o general foi “infeliz” ao dizer que a fiscalização das urnas eletrônicas era “para inglês ver”.
- Braga Netto
O advogado José Luís Oliveira Lima, que representa o general Walter Souza Braga Netto, foi o último a falar e passou boa parte do tempo contestando a delação premiada de Mauro Cid, pois, para ele, o tenente-coronel “mente descaradamente”.
“Não se pode condenar alguém com base em uma narrativa. Tem que se condenar por provas”, afirmou.
Da mesma forma que as demais defesas, o advogado reclamou da quantidade de documentos anexados no processo e o pouco tempo para análise. “É evidente que a defesa foi cerceada”, acrescentou.
Sobre a acusação de que Braga Netto teria levado dinheiro em uma caixa de vinho com o intuito de financiar o plano golpista, José Oliveira alegou que Cid não foi assertivo sobre a data e as circunstâncias da entrega.
“É essa fala que vai pôr na cadeia o meu cliente por mais de 20 anos, 30 anos? É com essa mentira, com esse vai e volta que o meu cliente vai permanecer na cadeia e vai morrer no cárcere? Ele não consegue dizer onde foi, ele não consegue precisar a data”, finalizou a defesa, ao solicitar a absolvição do militar.
Da trama ao tribunal
Na campanha frustrada para se reeleger, em 2022, Bolsonaro reuniu ministros, embaixadores estrangeiros e discursou para descredibilizar o sistema eleitoral brasileiro, sugerindo ser vítima de uma fraude. Mais de 44 horas após o fechamento das urnas, admitiu a derrota, mas não desmobilizou apoiadores que bloqueavam estradas e acampavam em frente a quartéis do Exército, pedindo intervenção militar.
Conforme as investigações da Polícia Federal, o então presidente e um grupo de aliados — os outros sete integrantes do ‘núcleo 1’, réus no julgamento desta semana — articulavam alternativas para reverter a decisão popular naquele período.
Bolsonaro recebeu e editou documentos que dariam embasamento jurídico à ruptura institucional, se reuniu com os comandantes das Forças Armadas para consultar a anuência das tropas à ideia e teve conhecimento de um plano para executar o presidente Lula (PT), o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e o ministro Alexandre de Moraes antes da troca de governo.
Em 30 de dezembro, às vésperas de concluir o mandato, Bolsonaro viajou para os Estados Unidos, não passou a faixa presidencial ao sucessor e só retornou ao país depois de três meses. Na ausência do político, apoiadores mantiveram os acampamentos em frente a quartéis, amplificaram as manifestações e invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes da República, em Brasília, em tentativa derradeira de mobilizar uma intervenção militar.
Em fevereiro de 2024, a PF deflagrou a Operação Tempus Veritatis, primeira a cumprir mandados relativos ao plano golpista, com base na delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. Em novembro, foi a vez da Operação Contragolpe, cujas apurações ampliaram o comprometimento do ex-presidente com a trama. As investigações embasaram uma denúncia da PGR (Procuradoria-Geral da República), enviada ao STF em fevereiro de 2025.
Em março, Bolsonaro e os demais acusados de idealizarem e planejarem a ruptura tornaram-se réus no tribunal, que os acusou de cinco crimes, cujas penas, somadas, podem chegar a 43 anos de prisão:
– Organização criminosa armada;
– Tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; – Golpe de Estado; – Dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima; – Deterioração de patrimônio tombado.Para os advogados do ex-presidente, os episódios descritos na denúncia da PGR são políticos e, quando muito, atos preparatórios que não podem ser punidos criminalmente; por sua vez, os documentos que descreviam o plano de ruptura não têm assinatura ou valor de fato. Bolsonaro admitiu ter discutido “possibilidades” com os chefes das Forças Armadas após perder a eleição, mas disse não ter cogitado usurpar a democracia e repete que não há golpe sem tanques de guerra na rua.