Juiz diz que criou identidade de nobre inglês após drama existencial

O juiz aposentado José Eduardo Franco dos Reis, do Tribunal de Justiça de São Paulo, que se apresentava como descendente da nobreza britânica e viveu 45 anos sob a falsa identidade de Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield, alega ter diagnóstico de Transtorno de Personalidade Esquizoide (TPE).

A defesa juntou o laudo psiquiátrico no processo em que ele responde por uso de documento falso e falsidade ideológica.

O Transtorno de Personalidade Esquizoide compõe o agrupamento dos chamados transtornos excêntricos. É caracterizado por distanciamento e desinteresse generalizado por relacionamentos interpessoais.

Os advogados Alberto Toron e Renato Marques Martins pedem que a Justiça autorize o chamado “incidente de insanidade” – procedimento para verificação, através de pericia médica, da saúde mental do réu. Com isso, ele pode ser declarado inimputável.

Segundo o documento, o magistrado adotou a identidade falsa como uma maneira de “começar uma vida nova” após um “drama existencial”. Teria sido uma resposta a um “quadro psicológico complexo, motivado por frustração pessoal”. A informação foi divulgada pelo portal g1 e confirmada pelo Estadão/Broadcast.

Ao psiquiatra, o magistrado relatou que, na época, “queria morrer e renascer outra pessoa” e que “tinha vergonha de sua história e de seu nome”.

A defesa também pede que o Ministério Público considera um Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) – instrumento jurídico em que o réu confessa o crime e se compromete a cumprir uma série de cláusulas, como o pagamento de multa e a prestação de serviços comunitários, para não responder ao processo criminal.

Os advogados negam que o magistrado tenha usado a identidade falsa para cometer crimes ou prejudicar terceiros.

O juiz manteve ativa a identidade brasileira, de Eduardo, que renovava periodicamente. Esse foi o fator determinante para o Ministério Público de São Paulo decidir denunciá-lo.

O processo tramita na 29.ª Vara Criminal da Capital.

Segundo o Ministério Público, Edward Wickfield é na verdade José Eduardo Franco dos Reis, um cidadão de Águas da Prata, no interior de São Paulo, filho de José dos Reis e Vitalina Franco dos Reis.

A persona teria sido assumida pelo magistrado pouco antes da graduação. Ele se formou na prestigiosa Faculdade de Direito da USP, no Largo do São Francisco. Depois disso, prestou concurso e atuou décadas como juiz sob a identidade falsa.

A fraude foi descoberta em outubro de 2024, quando ele esteve no Poupatempo da Sé para pedir a segunda vida da carteira de identidade. Foram encontrados dois registros diferentes associados às mesmas digitais. A divergência só foi percebida porque os registros do Instituto de Identificação Ricardo Gumblenton Daunt (IIRGD) haviam sido digitalizados.

De acordo com a denúncia do Ministério Público de São Paulo, no dia 19 de setembro de 1980, José Eduardo teria comparecido a um posto de identificação da Polícia Civil e tirado o documento em nome de Edward Wickfield. Para tanto, segundo a Promotoria, apresentou um certificado falso de reservista do Exército, um documento que dizia ser ele servidor do Ministério Público do Trabalho, uma carteira de trabalho e um título de eleitor, todos com o mesmo nome falso. Como na época, as bases de documentos não se comunicavam entre si e os papéis não eram armazenados em sistemas eletrônicos, era fácil, de acordo com o MP, uma falsificação.