O ex-promotor Antonio Di Pietro, símbolo da operação de luta contra a corrupção “Mãos Limpas” (Mani Pulite), que decapitou a classe política há 25 anos na Itália, conta ter “marcado cada nota” de suborno recebido por um político como isca.

– Qual a sua lembrança desse 17 de fevereiro de 1992?

“Eu sabia que o suborno seria pago porque a pessoa que deveria fazê-lo havia dito e assim combinamos a armadilha.

Eu marquei as notas, uma por uma, e quando a polícia apareceu, o acusado disse ‘este é o meu dinheiro’. E eu o questionei: ‘mas como você explica esta marca que fiz em cada nota?’.

Era um sistema de corrupção que implicava uma lista de empresas, envolvidas em esquemas de licitações, obras públicas e fornecimentos de equipamento. Se você não participasse estava fora do esquema”.

– Como conseguiu desmantelar todo um sistema?

“Tivemos de encontrar uma maneira de quebrar o silêncio, o pacto de omertà (termo que define um código de honra de organizações mafiosas).

A operação Mãos Limpas não foi uma investigação sobre a corrupção, mas uma investigação de crimes fiscais. Nós entendemos que a maioria das empresas envolvidas em licitações públicas tinham filiais em paraísos fiscais.

Mas tais crimes podem ser documentados. Com as cartas rogatórias, conseguimos obter os documentos, e então questionei a empresa em causa: ‘Por que você fez isso?’

‘Fomos forçados’, responderam as empresas, e desta forma quebrei o pacto de silêncio.

Os promotores de Milão e Palermo organizaram o trabalho em conjunto. Isto permitiu se concentrar em crimes específicos, especialmente os crimes contra a administração pública”.

– Qual é a situação atual?

“Na época, os políticos pegavam o dinheiro para o seu partido e para si próprios. Hoje, eu não consigo ver todo este amor para com os partidos políticos, a metade dos eleitos mudou de partido durante a legislatura.

Aqui na Itália, não há mais uma certeza da lei, nem da condenação, há uma sensação de impunidade e impotência.

As pessoas não confiam em mais nada e dizem: ‘Se todo mundo engana e rouba, eu também vou enganar’.

Se eu pudesse, iria intervir com algumas regras simples para restaurar a certeza da lei e da punição.

Gostaria de começar com a introdução do agente provocador: você nunca sabe se aquele que lhe oferece dinheiro é um policial ou não. Gostaria de assegurar que a prescrição terminasse com o envio à justiça (na Itália a prescrição continua a funcionar mesmo após o encaminhamento aos tribunais) e eu gostaria de eliminar o número de recursos, deixando apenas a primeira instância e a cassação.

No momento da operação Mãos Limpas, a opinião pública tinha a ideia de uma guerra entre polícias e ladrões. Hoje, as pessoas têm a sensação de assistir a uma guerra entre gangues de ladrões”.

Declarações coletadas por Ljubomir MILASIN