Aos 25 anos, Kristina Shapovalova explica que é preciso “aceitar” o risco de morrer para andar pelas ruas de Kharkiv, uma grande cidade no nordeste da Ucrânia sujeita a bombardeios russos diários.

A jovem usa óculos escuros e está em frente a um café cuja janela é uma das poucas iluminadas, já que grande parte da cidade está sem energia elétrica devido aos constantes ataques russos contra as infraestruturas energéticas.

“No fundo, vivemos uma vida tão plena como em Londres”, diz ironicamente, sorrindo, aludindo ao ritmo da música ‘house’ que vem da cafeteria.

A segunda cidade da Ucrânia, localizada a cerca de quarenta quilômetros da Rússia e por muito tempo considerada russófila, sofre disparos quase diários desde o início da invasão russa em fevereiro de 2022.

Nas últimas semanas, os ataques com mísseis se intensificaram, deixando dezenas de mortos e feridos e provocando cortes de energia e racionamento.

Centenas de milhares de habitantes, dos 1,5 milhão que existiam na cidade antes da guerra, fugiram. Entre os jovens que ficaram, vários disseram à AFP que o fizeram em sinal de resistência.

Kristina e sua amiga Polina Kaganosvka aproveitam um pouco mais do tempo antes do toque de recolher das 23h. A cafeteria possui um gerador.

“Aqui você pode carregar o celular e passar um tempo com os amigos, à luz do dia ou de luminárias”, diz Polina, de 23 anos.

“Procuro sair o máximo que posso com os meus amigos, já que na maioria das vezes não temos luz” em casa, acrescenta.

Em menos de uma hora soaram três alertas aéreos, mas nenhum dos jovens em frente ao café se mexeu. “Isso não muda nada, é como se um despertador tocasse”, comenta Kristina com indiferença.

Devido à proximidade com a Rússia, os mísseis russos demoram apenas 30 a 40 segundos a chegar a Kharkiv, por vezes invadindo a cidade antes mesmo de o alerta ser dado e os moradores poderem procurar abrigo.

– Kharkiv, cidade de heróis –

“Os mísseis passam por cima de nós, mas os cafés estão cheios, estamos todos ligados à Internet”, observa Oleg Khromov. “A cidade está em ruínas, mas continua civilizada”, ressalta.

Este ucraniano de 34 anos é um dos fundadores do Protaganist Bar, um dos primeiros a reabrir após a invasão russa.

Neste dia de semana ensolarado, o local fica repleto de clientes trabalhando em seus computadores ou simplesmente aproveitando o bom tempo.

Oleg lamenta que muitos tenham fugido da cidade, especialmente entre a renomada elite intelectual desta cidade universitária.

“Os poucos que decidiram ficar devem carregar sobre os ombros o peso da vida cultural local”, explica.

Na primavera de 2022, as forças russas cercaram parcialmente Kharkiv, mas em maio retiraram-se de forma definitiva. A cidade tornou-se um símbolo de resistência.

“Kharkiv é uma cidade de heróis que continuam defendendo a sua cultura”, diz Andriy Panchishko, estudante do Teatro Nacional de Ópera de Kharkiv. Os ensaios e espetáculos foram retomados recentemente no subsolo do prédio.

Após um ano de ensino à distância, Andriy poderá retornar aos palcos.

“Eu vim, mas muitos estudantes têm medo de estudar em Kharkiv”, diz ele.

Maria Bella Beiguel, que trabalha em um centro sociocultural público para jovens, também decidiu retomar o emprego.

“Estão bombardeando a nossa cidade, mas é importante ficarmos e que os nossos jovens fiquem juntos”, enfatiza Beiguel, de 19 anos, garantindo que a sua “missão é inspirar motivação”.

É assim que encontra “energia” ao se levantar de manhã, mesmo depois de mais uma noite de bombardeios e cortes de energia, resume.