Quem esteve na tarde de sábado, dia 15, no Palco Santa Rita da 13ª edição do Bourbon Festival Paraty deixou o lugar cheio de esperança no futuro. São raras as oportunidades de deparar com tantos rostos jovens dedicados a explorar e a evoluir com a música. E, na hora da entrega do resultado, passam pela graduação.

Criada em 2021 e liderada pelo maestro André Pantera, a Orquestra de Violões de Paraty levou ao palco 20 violonistas crianças e adolescentes. Eles se dedicam a colocar roupagem erudita em um repertório basicamente popular. Um desafio e tanto.

Orquestra de Violões de Paraty
Orquestra de Violões de Paraty (Crédito:Roger Sassaki/Divulgação)

Começaram um tiquinho nervosos e titubeantes. Em “Trenzinho Caipira”, de Heitor Villa-Lobos, e “Tristeza do Jeca”, de Angelino de Oliveira, os músicos levaram às pontas dos dedos uma ansiedade que tornou as melodias secas, quase robóticas, comprometendo em parte a fluidez melódica.

Passado esse primeiro momento, meninos e meninas notaram estar diante de uma plateia compreensiva e animada. Soltaram-se, e o resultado foram versões marcantes e com assinatura própria de canções como “Disparada” e “Santa Morena”, de Jacó do Bandolim, além de se aventurar pelo pop dançante de Michael Jackson.

Se a primeira apresentação foi mais contemplativa, a segunda, do Favela Brass, convidou à dança, embora parte considerável da plateia insistisse em acompanhar a apresentação em posição de lótus, queixando-se daqueles que queriam apreciar em pé aquela celebração da música afro-americana.

Idealizado e fundado em 2014 pelo multi-instrumentista britânico radicado no Brasil Tom Ashe, o Favela Brass é um projeto de inclusão social que leva música de qualidade a escolas públicas e favelas do Rio de Janeiro. Seus músicos têm entre 7 e 17 anos. O som que eles fazem soa surpreendentemente maduro para gente tão jovem.

Aparentemente mais rodados que os jovens da Orquestra de Violões de Paraty, os integrantes do Favela Brass já entraram entregando uma leitura vigorosa de “Do What You Wanna”. E aí apareceu um aspecto importante da sonoridade do grupo: a influência poderosa da música produzida pelas bandas de rua em Nova Orleans.

Mas a variedade rítmica e estilística do grupo permite ir além e explorar Anitta (“Boys Don’t Cry”), Deep Purple (“Smoke on the Water”) e Alceu Valença (“Anunciação”). Fecharam com uma empolgante leitura de “When the Saints Go Marching In”, voltando à raiz fundamental do jeito Favela Brass de ler as músicas. Foi um sanduíche variado em que Nova Orleans fez o papel de pão enquanto coube todo o resto no recheio.

Shows da noite

Hermeto Pascoal não é para qualquer um. Sua música – que tem tudo para dar errado, mas dá muito certo – exige audição atenta e dedicada para absorver parte das informações sonoras que evaporam do caldeirão do Bruxo. São sutilezas que revelam se determinada música foi feita em homenagem a Miles Davis, Ron Carter, Edu Lobo ou Astor Piazzolla.

Hermeto Pascoal
Hermeto Pascoal (Crédito:Roger Sassaki/Divulgação)

Foi informação demais para várias pessoas, que deixavam a parte coberta do Palco da Matriz assim que a chuva deu uma acalmada. Mas ficou gente suficiente para saracotear ao som de frevo, baião, maracatu e jazz, tudo com competência sonora e muito bom humor, nos solos e entre os músicos da banda.

Empolgado, o saxofonista Jota P. terminou o show sem a camisa. Com tamanco de madeira, apitos e brinquedos de plástico, o baterista Ajirnã Zwarg e o percussionista Fábio Pascoal se divertiam enquanto mostravam como Hermeto adora e estimula a exploração de sons não convencionais.

Depois do Bruxo, o palco foi ocupado por Marcelo Neves & The Tigermen. Com guitarra, baixo, bateria, gaita e vocal, os rapazes mostraram que sabem usar a régua e o compasso na hora de erguer e explorar estruturas blueseiras. Com apenas um shuffle de entrada, eles deixaram claro que a cantora americana Diunna Greenleaf estava em boas e seguras mãos.

Diunna Greenleaf e o grupo Marcelo Naves & The Tigermen
Diunna Greenleaf e o grupo Marcelo Naves & The Tigermen (Crédito:Roger Sassaki/Divulgação)

Aí a mulher fez chover. Com um timbre que lembra Koko Taylor (1928-2009), ela explorou e expressou emoções profundas em canções dolorosas (“Hard Times”), didáticas (“Never Trust a Man”), reverentes (“Running like the Red Cross”) ou irresistivelmente dançantes (“I Can’t Wait” e “Sunny Day Friends”).

Última atração da noite, o grupo Kevin Gullage & The Blues Groovers resolveu levar a plateia para um longo e divertido passeio de montanha-russa. Alternou momentos em que jogou a adrenalina lá no alto com outros em que pareceu preparar o público para uma relaxante noite de sono.

O grupo Kevin Gullage & The Blues Groovers
O grupo Kevin Gullage & The Blues Groovers (Crédito:Roger Sassaki/Divulgação)

Na primeira categoria, estão torpedos dançantes como “Mustang Sally”, “Knock on Wood” e “Play that Funky Music”. Entre as mais suaves, o grupo mandou “Georgia on My Mind”, “Moon Dance” e “The Thrill Is Gone”. Foi a combinação perfeita para aproveitar o restinho de fôlego da plateia. Tinha gente que já estava havia 12 horas na rua.