A expectativa natural para o posicionamento dos jovens frente à sociedade é a busca pelo ineditismo e, por vezes, pela ruptura de padrões. Mas há um novo fenômeno evidente no Brasil, jovens das mais diversas camadas sociais e espalhados por todo o País que defendem o conservadorismo e ideais políticos de direita com vigor. Alguns batem no peito e chegam a se intitular reacionários. Isso explica porque o presidente Jair Bolsonaro, apesar de tantos devaneios, ainda encontra fôlego na aprovação popular. Diferente do presidente, esses jovens apresentam sinais de empatia e dizem estar fundamentados em intelectuais liberais. Existe uma variação muito grande nas afirmações desses grupos, mas ela se consolida em sua maioria pela negação da política, da ciência e das instituições. “Essa juventude nasceu na metade da década de 1990, período do milagre econômico promovido pelo Plano Real, seguido pelo aumento da riqueza nos anos subsequentes. Ela não experimentou grandes períodos de privação – inclusive da liberdade”, afirma a cientista política Juliana Fratini.

“Não sinto, como cidadão, informações suficientes que me levem a uma segurança para tomar a vacina chinesa. Não sou negacionista, mas pontuo esse questionamento” Nikolas Ferreira (PRTB), vereador de Belo Horizonte (Crédito:Divulgação)

Um aspecto comum aos jovens são as contradições em defender um passado retrógrado. O gestor de anúncios na internet, Eduardo Santana, tem 24 anos e é formado em recursos humanos, além de cursar administração de empresas. Ele mora em Salvador, Bahia, e é um autêntico representante da juventude de direita. Ele acredita que as empresas devam assumir as funções do Estado. “Sou jovem, negro, moro na periferia, sou de uma família de classe média baixa e sei como o Estado atrapalha a minha vida”. Santana questiona a democracia brasileira e diz que existe uma simulação para uma “maioria boba que está sendo manipulada pelos meios de comunicação”. A crítica ao Supremo Tribunal Federal (STF) é outro ponto que chama atenção. Ele diz que existe uma ditadura do Judiciário e, por isso, os poderes do STF precisam ser limitados. Santana admite que o racismo existe, no entanto, é contra as cotas e diz que a política de proteção para a população LGBTQ, mulheres e negros é desnecessária, “Não é criando delegacias exclusivas, criando privilégios que vai resolver”, afirma. Se dependesse dele a vacina Coronavac não seria aprovada e por hora ele não pretende tomá-la.

Apesar da baixa crença na política, muitos desses jovens reacionários escolhem esse caminho para pregar suas ideias retrógradas. É o caso de Nikolas Ferreira (PRTB), 24 anos, eleito com 29.388 votos para vereador na sua primeira disputa em Belo Horizonte, Minas Gerais. Ele ostenta fotos com o presidente Bolsonaro e faz apologia ao uso de armas. No fim de ano ele publicou um vídeo em que exibe o seu presente de natal, um fuzil da marca Taurus. 4Formado em direito, o vereador surfa na onda da direita. Embora tenha dito à ISTOÉ que não é negacionista, ele questiona, em outro vídeo, a eficácia das medidas de isolamento social e o uso de máscara para conter a Covid-19. É curioso o questionamento de Ferreira a respeito da vacina. “Questionar ainda não virou crime. Não houve o empenho do governador Doria para trazer outras vacinas com eficácia melhor”, diz ele com o esquecimento providencial que essa era a tarefa do presidente Bolsonaro. Favorável ao voto impresso na urna brasileira, Ferreira minimizou a celeuma criada pelo ex-presidente Trump nos EUA. “É um direito dele pedir a recontagem de voto”, disse.

“As urnas podem ser fraudadas. Pode alguém ir lá com um pendrive e trocar o pendrive. Tudo é possível. E isso pode ser decisivo para uma eleição” Isis Machado de Oliveira, diretora da ONG Amo Acalentar (Crédito:Divulgação)

A consultora de beleza e arquivista Isis Machado de Oliveira, 24 anos, se considera uma conservadora empedernida. Ela mora em Florianópolis, Santa Catarina, também atua como diretora da ONG Amo Acalentar e não está filiada a nenhum grupo político, mas interage com frequência na página de bolsonaristas que buscam a fundação do partido Aliança do Brasil. Isis pensa que a democracia não é valor fundamental e deve ser revisto. Isis é contra a política de cotas raciais. A conservadora critica a parada da economia e responsabiliza as pessoas pelas aglomerações. Mas quando questionada sobre o exemplo do presidente nas praias no fim de ano ela minimizou. Pediu para pensar um pouco e disse: “ele é uma figura pública, mas que é uma decisão pessoal dele. Bolsonaro é uma pessoa muito espontânea e mal interpretada”, afirmou. A cientista política Juliana Fratini diz que “o reacionarismo decorre da falta de experiência e conhecimento do que aconteceu em épocas anteriores, além da descrença nas instituições políticas envoltas em diferentes escândalos de corrupção”. Isso é um problema grave. O pensamento retrógrado que ganha força entre os jovens ameaça valores democráticos e os fundamentos da própria civilização. De alguma forma, ele indica que a sociedade está doente.