Jovem se torna influencer para combater vapes após diagnóstico de câncer

Estudo recente do InCor, da USP, revela crescimento da dependência de nicotina entre usuários jovens de cigarros eletrônicos

Mulher fumando vape
Foto: Freepik

Mesmo com a proibição desde 2009 no Brasil, os cigarros eletrônicos têm se tornado cada vez mais populares, especialmente entre os jovens. Segundo dados do Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (Lenad), aproximadamente 11 milhões de brasileiros com 14 anos ou mais já fizeram uso de pelo menos um tipo de dispositivo eletrônico para fumar (DEFs), o que inclui os chamados vapes, pods, juuls e cigarro eletrônico.

A quantidade variada de sabores, cores e modelos, assim como a facilidade de adquirir os cigarros eletrônicos atrai essa faixa etária. Embora seja comercializado como uma alternativa menos prejudicial, os cigarros eletrônicos representam um risco maior para a dependência e para a saúde, uma vez que os níveis de nicotina nos usuários de cigarro eletrônico podem ser até seis vezes superiores aos encontrados em fumantes de cigarro convencional – como mostrou um estudo feito pelo Instituto do Coração (InCor), da Universidade de São Paulo, em 2024.

Não é difícil, portanto, encontrar relatos nas redes sociais de jovens que estão tentando parar de usar os DEFs, tanto para se prevenir, como para tratar doenças relacionadas ao uso desses dispositivos. Como a publicitária e auxiliar administrativa Laura Beatriz Nascimento, de 27 anos, que viralizou nas redes sociais ao compartilhar o diagnóstico de câncer de pulmão após quatro anos de uso intenso do pod. “A gente nunca espera receber um diagnóstico desses, eu sou muito nova ainda”, relembra a jovem brasiliense.

O primeiro contato de Laura com o cigarro eletrônico foi em 2016, quando a jovem fez um intercâmbio para a Nova Zelândia. Até então, ela só havia experimentado cigarro e tabaco esporadicamente entre amigos e em festas, mas mantinha o uso controlado. De volta ao Brasil, Laura voltou a fumar cigarro eletrônico alguns anos depois, a partir de 2020, quando os produtos começaram a se popularizar por aqui. Logo de cara, já sentiu diferença. “Depois que eu conheci o pod, comecei a fumar todos os dias. E com seis meses de uso, percebi que já tinha criado uma dependência”, relata a publicitária, que calcula ter gastado mais de R$ 10 mil reais em quatro anos de uso do dispositivo.

Por que os vapes viciam com mais rapidez

Laura não está sozinha nessa. Recentemente, as influenciadoras Manuela Cit e Sophia Cit também comentaram no podcast “Pod Delas” a luta contra o vício no cigarro eletrônico. “É vendido como lúdico, como legal, mas é horrível. Eu fiquei um ano viciada e isso gera um dano irreversível”, disse Manuela, que conseguiu abandonar o cigarro eletrônico. “Acho muito importante a gente fazer uma propaganda reversa, se estão falando bem, eu vou falar mal”, completou a influenciadora na entrevista.

Uma nova pesquisa do Incor, divulgada recentemente, aponta um crescimento da dependência de nicotina entre usuários jovens de cigarros eletrônicos. As maiores concentrações foram registradas entre os que relataram dependência moderada ou intensa. Porém, mesmo os fumantes que se identificavam como casuais apresentaram índices elevados da substância no organismo.

Para a cardiologista Jaqueline Scholz, diretora do Programa de Tratamento do Tabagismo do InCor, responsável pelo estudo, existe ainda muita desinformação sobre os riscos dos cigarros eletrônicos, especialmente sobre o teor de nicotina e o potencial de dependência. “O trabalho mostra que o cigarro eletrônico oferece níveis de carga de nicotina que você não vê em fumantes convencionais e, consequentemente, essa exposição faz com que os indivíduos fiquem suscetíveis à dependência, aumentem cada vez mais o consumo e também os riscos para a saúde”, alerta a especialista.

Entre os cerca de 400 participantes, com média de idade de 28 anos, 49 apresentaram mais de 400 ng/mL de cotinina na saliva, nível compatível com quem fuma de 20 cigarros comuns por dia. Outros 15 usuários envolvidos na pesquisa, tiveram concentrações acima de 1000 ng/mL, semelhantes às de fumantes que consomem mais de 40 cigarros no mesmo período. No entanto, além da nicotina, a especialista destaca que a fumaça dos cigarros eletrônicos leva outras substâncias para o pulmão, como aromatizantes e metais pesados. Por serem discretos, não apresentarem o cheiro desagradável e nem provocar a ardência na garganta dos cigarros comuns, os famosos vapes tendem a ser consumidos quase que de forma ininterrupta.

De acordo com Scholz, a internação por doenças respiratórias em virtude do uso do cigarro eletrônico vem crescendo. Além disso, ela observa que os usuários dos aparelhos sentem sinais de dependência e abstinência mais intensos do que os vistos em fumantes convencionais, mesmo com pouco tempo de uso do produto.

O diagnóstico de câncer

No caso da Laura, além de não conseguir parar de usar o cigarro eletrônico, a dependência começou a interferir no seu desempenho em atividades físicas. Ela percebeu os primeiros sinais ao se exercitar na academia e ao andar de bicicleta. Depois, o cansaço foi se juntando a outros sintomas, como dor nas costas e tosse.

Em dezembro de 2024, em um check-up de rotina para uma viagem, uma tomografia revelou um nódulo no pulmão. Depois da confirmação do câncer por meio de uma biópsia, em sete dias, ela foi submetida a uma cirurgia para retirada do tumor, na qual perdeu metade do pulmão direito. “Foi tudo muito rápido e traumatizante”, relembra.

O susto de descobrir e tratar um câncer aos 26 anos levou Laura a publicar seu diagnóstico e tratamento no Instagram e no TikTok (@poxavidalau) para alertar os amigos: “quando eu estava internada, me dei conta que todos os meus amigos fumavam. Senti que precisava contar para as pessoas o que aconteceu comigo”.

Conscientização na internet

Rapidamente, os vídeos viralizaram e alcançaram milhões de visualizações. Nos comentários, houve uma mistura de solidariedade e preocupação, com discursos de ódio. “Recebi muitos comentários negativos, de pessoas falando que eu merecia ter câncer. Mas também mensagens de pessoas falando que as incentivei a parar de fumar e a procurar ajuda”.

Depois de sair do hospital, Laura começou uma recuperação intensa e teve que “reaprender” a respirar, subir escada, praticar esportes e, claro, viver sem nicotina. Hoje, ela se sente orgulhosa de ter completado 9 meses sem o vape: “foi muito difícil. Mas sempre que eu sentia vontade de fumar, tentava me apegar em tudo o que passei no hospital”.

Além de ter parado de fumar, ela tem um estilo de vida mais saudável: faz natação e academia, além de correr e andar de bicicleta esporadicamente. Laura conseguiu também incentivar os dois pais e alguns amigos, que eram fumantes a muitos anos, a pararem de fumar.

Eu tenho visto muitas pessoas publicarem nas redes sociais a sua jornada tentando parar de fumar. É uma moda que está realmente influenciando as pessoas para algo bom. O que eu digo para as pessoas é que sempre dá tempo para parar e buscar tratamento, tem que insistir”, resume Laura.

Tratamento contra o vício em cigarro e DEFs no SUS

Não custa lembrar: o tabagismo está relacionado ao surgimento de pelo menos 50 doenças como diabetes, hipertensão, AVC, infarto, doenças respiratórias, câncer, tuberculose, impotência e infertilidade. Se você é fumante e deseja acabar com o vício, saiba que existe tratamento gratuito no SUS.

O combate ao vício em nicotina, nesse caso, é feito com a ajuda de medicamentos como:

  • adesivos;

  • pastilhas;

  • gomas de mascar (terapia de reposição de nicotina);

  • bupropiona (antidepressivo que reduz os efeitos de abstinência da nicotina).

O acompanhamento médico, caso a caso, também faz parte do tratamento. Busque mais informações na Unidade Básica de Saúde (UBS) mais próxima da sua casa.