Jovem morto por leoa expõe debate sobre saúde mental em João Pessoa

Conselheira tutelar denuncia falta de assistência após maioridade, mas direção do Caps relata abandono do tratamento

Gerson
Conselheira tutelar Verônica Oliveira acompanhou Gerson desde a infância Foto: Reprodução

O jovem Gerson de Melo Machado, de 19 anos, morreu no domingo, 30, após escalar uma parede de cerca de seis metros e invadir o recinto de uma leoa no Parque Zoobotânico Arruda Câmara, conhecido como Bica, em João Pessoa (PB). Gerson tinha diagnóstico de esquizofrenia e, segundo a conselheira tutelar Verônica Oliveira, não teria recebido o atendimento adequado após completar a maioridade.

Em vídeo divulgado no Instagram, a conselheira afirmou que acompanhou o jovem dos 8 aos 18 anos. Ela relata que, apesar das solicitações do órgão embasadas por laudos, “o Estado [da Paraíba] dizia que ele tinha apenas problemas comportamentais”. Verônica destacou que o jovem, filho de mãe também esquizofrênica, passou por todos os órgãos de acolhimento do município sem receber o suporte necessário.

“O meu sentimento hoje é de revolta, porque eu nunca me calei diante das violações de direitos que Gerson sofreu”, desabafou a conselheira.

Janaina D’Emery, diretora do Centro de Atenção Psicossocial (Caps) Caminhar, apresentou outra perspectiva sobre o acompanhamento de Gerson. Em vídeo enviado à IstoÉ, ela informou que o jovem chegou à unidade em 26 de dezembro, mas apresentava “muita dificuldade em aderir ao tratamento”.

De acordo com a diretora, o histórico de rapaz foi marcado por desistências. “Ele desapareceu por um período, o que nos levou a realizar buscas ativas. Gerson retornou em junho, mas sumiu novamente. Ao buscarmos informações, descobrimos que ele estava internado em um hospital psiquiátrico no Recife”, explicou.

Janaina completou que o contato com Gerson ocorreu pouco antes do acidente: “Na última semana, ele voltou ao Caps Caminhar. Nós o acolhemos e ofertamos o tratamento para dar continuidade ao cuidado”.

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Como funciona a rede de Saúde Mental em João Pessoa

Em nota à reportagem, a Secretaria Municipal de Saúde de João Pessoa explicou que existe uma rede estruturada para o atendimento de saúde mental. A porta de entrada é a Atenção Básica, onde as equipes de Saúde da Família identificam as necessidades da população e fazem a ponte com os demais serviços.

A rede especializada conta com Policlínicas Municipais (para acompanhamento psicológico, psiquiátrico e neurológico via encaminhamento) e quatro Caps (Centros de Atenção Psicossocial). Em situações de crise, o atendimento de urgência e emergência é feito no Pronto Atendimento em Saúde Mental (PASM).

A secretaria informou ainda que existem os Centros de Práticas Integrativas e Complementares (CPICS), localizados nos bairros Valentina e Bancários, acessíveis via encaminhamento ou demanda espontânea.

Como foi a morte

Para invadir o recinto, Gerson escalou um muro de seis metros e desceu por um coqueiro até o espaço onde estava a leoa. O animal percebeu a invasão, derrubou o jovem da árvore e o atacou. Segundo a Secretaria de Comunicação da prefeitura, a morte foi causada por uma única mordida no pescoço. A leoa não se alimentou do corpo, pois já havia feito suas refeições.

A Polícia Civil trabalha com a hipótese de que a vítima estava em surto psicótico. “Segundo a perícia, o homem agiu em possível ato de suicídio. Embora as equipes de segurança tenham tentado impedir, ele agiu de forma rápida e veio a óbito em decorrência dos ferimentos”, afirmou a prefeitura em nota, lamentando o episódio e solidarizando-se com a família.

O estado da leoa

O zoológico possui duas leoas, Mimi e Leona, que se revezam na jaula de exibição. A envolvida no incidente foi Leona, que entrou em choque após o ocorrido e ficará em quarentena sob observação. A bióloga do parque, Marília, informou que o animal tem reagido bem aos cuidados e já voltou a se alimentar.

O secretário municipal de Meio Ambiente, Welison Silveira, descartou a eutanásia do animal. “A leoa estava dentro do seu recinto natural. Houve violação de regras de conduta por parte do indivíduo que invadiu o espaço”, concluiu.