Em novembro, John Oliver encerrou a terceira temporada do seu programa Last Week Tonight anunciando uma lista de organizações e entidades que, na opinião dele, merecem apoio financeiro e moral para enfrentar o governo de Donald Trump, então recém-eleito presidente dos EUA. Despediu-se de 2016 com um palavrão catártico e materializou a vontade de milhões de pessoas ao destruir o ano numa explosão. Em meio a notícias falsas e pós-verdades que confundem leitores e telespectadores, Oliver volta à TV esta semana praticando jornalismo sério para exercer seu talento em fazer rir. No Brasil, a quarta temporada do show será exibida pelo canal HBO Plus, a partir desta quarta, 15, às 23h30.

Sem detalhar os próximos alvos da sua artilharia, o comediante conversou com grupos de jornalistas reunidos semana passada pela HBO na sede da empresa, em NY. Para a nova temporada, sua intenção continua a de apontar assuntos que são pouco cobertos pela imprensa americana. Citou como exemplo os panelaços no Brasil, no ano passado. “Eram engraçados e, no entanto, do que é que tratava aquilo? Era sobre problemas com a Petrobras, com a ex-presidente Dilma, etc.”

O trabalho jornalístico consome a maior parte de sua produção, mas Last Week Tonight terá sempre a comédia como principal objetivo. “Quero fazer comédia sobre coisas que me interessam, não pegar um assunto e procurar a melhor forma de fazer piada sobre ele”, disse Oliver. “Quero fazer comédia em primeiro lugar.”

Oliver nasceu na Inglaterra, em 1977, e se mudou para NY em 2006, quando começou a trabalhar no programa The Daily Show with Jon Stewart. Obteve o Green Card em 2009, mas, diante das intenções de Trump em relação a imigrantes, não se sente em completa segurança por ter o documento que lhe dá o status de residente nos EUA. Apesar de contar com uma empresa do porte da HBO, ele entende que, no seu caso, as consequências de medidas que venham a ser implementadas no governo de Trump podem ser apenas “menos ruins”. “Por isso, acho as coisas que ele já fez sobre imigração tão visceralmente ofensivas”, afirmou no encontro com jornalistas do qual o jornal “O Estado de S. Paulo” participou.

Trump não deve ocupar muito espaço do Last Week Tonight. “Quero defender temas que sejam menos relacionados a personalidades e tenham mais a ver com questões específicas. Como presidente, ele pode estar ligado tangencialmente com algumas delas e ser uma parte da análise final de como certas coisas podem ocorrer.” O que se pode esperar do programa são questões pouco relacionadas ao humor e semelhantes a outras que Oliver já abordou, como a neutralidade na internet, marketing multinível, criptografia ou estudos científicos.

Em política, ele quer seguir de perto o que deve ocorrer na Europa, com eleições na França e Alemanha, e o crescimento de lideranças de extrema direita. “É assustador que o resultado na Áustria tenha sido tão apertado porque não é preciso ser um grande conhecedor de história para entender que na Europa nada acontece isoladamente, há sérias consequências para todas as nações. O ressurgimento da extrema direita é notícia ruim para todo mundo.”

Na mesma área, Last Week Tonight tem na pauta a repercussão do Brexit, a saída do Reino Unido da União Europeia. Num dos programas do ano passado, Oliver abordou a decisão e agora tentará mostrar o efeito cascata que ela terá ao longo de décadas. Para ele, “há consequências enormes e duradouras que nem ocorreram ainda; é uma decisão irreversível que vai afetar muitas gerações”.

Salientando a forma como a equipe de 4 pesquisadores, 4 produtores e 4 assistentes de pesquisa trabalha sobre assuntos como esses, o comediante negou qualquer possibilidade de Last Week Tonight se encaixar entre programas de humor que, na opinião de alguns críticos, seriam a fonte original de notícias infundadas que acabam repercutidas como fatos reais. “Fazemos piada sobre histórias importantes, mas verificamos todas as informações num grau absurdo”, afirmou Oliver. No quadro atual de inverdades ou “fatos alternativos” divulgados até pela Casa Branca, ele cumpre ferozmente estratégias jornalísticas. Para fazer comédia.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.