A casa da arquiteta italiana Lina Bo Bardi, no bairro do Morumbi, na zona sul de São Paulo, não tem janelas. Até porque não precisa delas. É pelas paredes de vidro que a luz entra iluminando toda a obra de Lina: da estrutura modernista do imóvel a peças de mobiliário – tudo projetado por ela. Fincada em um terreno de 7 mil m², a Casa de Vidro foi erguida em 1951 e, há 30 anos, em agosto de 1986, acabou invadida por assaltantes. Na ação, os ladrões abordaram a arquiteta, que estava sozinha, e roubaram 42 peças de sua coleção de joias – entre elas, um colar de águas-marinhas desenhado por ela em 1947 e avaliado em cerca de US$ 500 mil.

“Foi a primeira e única vez que Lina se decepcionou com o Brasil”, conta a presidente do Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, a museóloga Sonia Guarita do Amaral. É ela quem encabeça a empreitada para transformar em museu a residência do casal Lina Bo e Pietro Maria Bardi, os responsáveis pela criação do Masp. Para isso, conta agora com uma ajuda valiosa: por meio do projeto Joia de Artista, a joalheria Talento está lançando uma versão reeditada e limitada do colar. Dez peças numeradas, feitas artesanalmente a partir da única foto de Lina com a joia, serão vendidas por valores entre R$ 225 mil (com prasiolitas e ametistas) e R$ 415 mil (a réplica de águas-marinhas).

Além do porcentual pelos direitos autorais, o Instituto ficará com um colar, que será leiloado. “O que mais me encantou na história foi o fato de Lina ser apaixonada por pedras brasileiras”, afirma Jacques Rodrigues, diretor da Talento. “Ela, inclusive, escreveu um manifesto defendendo as pedras e, por isso, criou o colar com linhas simples. A ideia era valorizá-las ao máximo.” E não se tratavam de águas-marinhas quaisquer. Elas chegaram às mãos do marchand italiano Pietro Maria Bardi em 1946, ano em que ele e a mulher chegaram ao Brasil, por meio de Assis Chateaubriand. O empresário convidara Bardi para auxiliá-lo na abertura do Masp e não se sabe se o lote precioso de 62 peças foi um presente ou parte de um negócio. O que se sabe é que a outra parte do lote integrou o colar com o qual Chateaubriand presenteou a rainha Elizabeth II quando foi nomeado embaixador do Brasil na Inglaterra.

Morta em 1992, Lina Bo Bardi foi uma artista completa. Além de projetar a própria casa, o Masp, o Sesc Pompeia e reformar o Teatro Oficina, desenhou itens de decoração, criou figurinos e cenários. E esboçou joias. Com curadoria de Waldick Jatobá e cocuradoria de Johanna Birman, o projeto Joia de Artista levará documentos dessa faceta da arquiteta e a reedição do colar de águas-marinhas para a galeria Luisa Strina, em São Paulo, a partir do dia 13. Depois, a mostra seguirá para Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Salvador.