O governo Jair Bolsonaro levou ao palco nesta terça-feira, com transmissão ao vivo pela TV, um jogralzinho em que vários ministros tiveram alguns minutos para apresentar aos colegas as realizações de suas pastas. Foi quase tudo bonitinho e ensaiadinho, para servir de contraponto à inesquecível reunião ministerial de 22 de abril, com seu enredo de intrigas, palavrões, revelações assombrosas, ressentimentos – e preocupação quase nula com tarefas de gestão.

Numa reunião que pretendia se ater aos fatos, coube ao presidente, surpresa!, introduzir cacos – aquelas falas improvisadas no teatro.

Na abertura e no encerramento, em meio às críticas de sempre aos meios de comunicação, especialmente a Rede Globo, ele deu bastante ênfase à declaração de ontem de uma das diretoras da OMS, segundo a qual portadores assintomáticos do covid-19 parecem ter, segundo novas pesquisas, baixa probabilidade de transmitir o vírus. Isso, afirmou o presidente, seria a senha para que a reabertura da economia fosse acelerada em estados e municípios brasileiros.

Como de hábito, Bolsonaro não mastigou nem digeriu a informação. Não é apenas que extraiu um mandamento – encerrar quarentenas – de dados que ele mesmo reconheceu serem inconclusivos. Ele também não explicou a diferença fundamental entre portadores assintomáticos e pré-sintomáticos.

Os primeiros têm contato com o vírus e nem se dão conta. A nova hipótese é que não sejam propagadores relevantes do coronavírus. Os segundos estão no período de incubação da doença, que vai afetá-los em grau menor ou maior. São agentes de propagação, mesmo antes de apresentarem a primeira febre, e seu número ainda é crescente no Brasil.

Por que explicar quando se pode confundir? Bolsonaro é isso aí.

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Ao menos, o presidente não interrompeu o ministro interino da Saúde Eduardo Pazuello, que relembrou mortos, prestou solidariedade às famílias atingidas e pedir uma salva de palmas aos médicos e enfermeiros que estão na linha de frente do combate à pandemia. Eram gestos que o governo há muito vinha devendo.

que Pazuello não fez em sua longa fala – a mais longa do evento – foi melhorar a posição do governo na polêmica sobre a divulgação de dados da epidemia. Ele apenas explicou novamente o método Zé Carioca de contabilização de óbitos, hoje adotado no Painel Coronavírus do Ministério da Saúde.

Segundo esse método, apenas as mortes ocorridas em um dia são apontadas. As que foram registradas em cartório nesse dia, porque estavam em investigação mas ocorreram em datas anteriores, são distribuídas no gráfico geral, mas não apresentadas em uma soma geral, como ocorria até agora e é o padrão no mundo todo. Não importa o que diga o ministro, sonegar essa soma do cidadão comum impede uma visão clara do custo que a doença cobra em vidas. A insistência de Pazuello em ocultar mortos anula a homenagem feita por ele pouco antes.

Nem todos os ministros se ativeram ao script dos números. Alguns levantaram a voz no meio do jogral.

Houve algumas falas de teor mais político. Como a do chanceler Ernesto Araújo, que fez duros questionamentos à OMS. Ou a do ministro da Cidadania, Onix Lorenzonni, que se lançava num animado ataque à imprensa quando o sinal da transmissão foi temporariamente interrompido.

Houve também momentos de humor involuntário, quando o controlador geral da União Wagner Rosário achou por bem começar sua fala explicando aos colegas para que serve o órgão.

Mas, no geral, a reunião de ministros desta vez foi morna, previsível, liberada para menores de idade sem a necessidade de apitos para encobrir palavrões. Propaganda, dirão. E daí? Mesmo a propaganda oficial paga em veículos de comunicação do mercado tem entre as finalidades legais permitir que os governos prestem contas de suas atividades e deem destaque ao que julgam ser suas melhores realizações.

Não seria ruim se o governo Bolsonaro passasse a acreditar nas virtudes da normalidade. Se entediasse os cidadãos com mais frequência com apresentações como o de hoje. Infelizmente, tornou-se difícil acreditar que isso venha a acontecer. Em breve, deve voltar o heavy metal.


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