É fácil explicar a um apaixonado por arte o que os Jogos Olímpicos representam. Basta lhe dizer que são para o esporte o que a Bienal de Veneza é para as artes plásticas: uma espécie de missa onde os países rivalizam em atratividade e o dinheiro é o nervo da guerra. Quanto à arte, faz séculos que ela maltrata, ama, detesta e exalta os jogos esportivos. “Um artista que se interessa pelas cores do tempo e da época, pela moda, moral e paixão”, como dizia Baudelaire, “interessa-se forçosamente pelo esporte”.

De fato, o esporte é onipresente no nosso cotidiano, até mesmo nas vestimentas. À criação, fornece formas, atitudes, pontos de vista e terrenos de exploração de uma riqueza enorme. E isso desde a Grécia antiga, quando as atividades atléticas (o esporte ainda não existia) ofereciam cenas para a criação de cerâmicas e peças ornamentais. Durante os Jogos Olímpicos, a vitória dos atletas era recompensada com esculturas à sua efígie e a decoração dos estádios olímpicos os transformava em verdadeiros museus.

Depois, com o advento do cristianismo, os artistas se afastaram dessas representações em favor dos temas religiosos. Apenas no século 19 – quando as disciplinas começaram a se organizar em clubes, competições e aparecer na imprensa -, o motivo voltou a ter destaque. O primeiro a retratar jogadores de futebol foi Henri Rousseau, em 1908. O esporte tornou-se um fato social e os primeiros Jogos Olímpicos da modernidade (1896) interessaram, sobretudo, aos impressionistas.

Pintores como Manet, Renoir, Caillebotte, Cézanne ou Degas saíram de seus ateliês para pintar corpos que corriam, nadavam, montavam a cavalo. Mais tarde, essas atividades trouxeram inspiração aos futuristas italianos e russos, pois permitiam mostrar – não apenas a figura dos atletas e dos jogos -, mas a potência do seu movimento, que é o que interessava ao futurismo. Umberto Boccioni e Natalia Gontcharova foram dois deles.

A mesma preocupação em apresentar o dinamismo das disputas esportivas pode ser encontrada na pintura de Robert Delaunay, Nicolas de Stael e André Lhote, teórico do cubismo. Lhote (assim como Juan Gris) introduziu cor e letras como referências às publicidades que já se via nos estádios olímpicos, há mais de um século!

Pouco a pouco, bem ou mal, foi a fotografia que se encarregou de representar a estética olímpica. Pois, nos anos 1930, ela se transformou em instrumento de propaganda das ditaduras nascentes. Fascismo, nazismo, stalinismo, todas colocaram as representações das olimpíadas a favor de suas ideologias. Emblemática da tendência, Leni Riefenstahl exaltou em suas imagens a chegada do homem novo: um atleta, talhado em pedra, que glorificava a virilidade e a força marcial.

Nos anos 1950/60, a arte se interroga sobre si mesma e o que a constitui, e envereda pela abstração. O esporte é novamente deixado de lado. Nos anos 1990, todavia, quando as linguagens artísticas deixaram de constituir núcleos fechados e autônomos para reencontrar a sua dimensão antropológica e fazer parte de tudo que compõe o mundo e a humanidade, o interesse voltou. Além disso, os eventos e atividades esportivas, até então vistos com indiferença ou desprezo pela elite intelectual, começaram a chamar a atenção de sociólogos, antropólogos e filósofos.

Foi, portanto, a conjunção de três fatores – as mudanças de visão estética, o novo interesse intelectual e a presença constante do esporte em nosso cotidiano – que estimulou a arte contemporânea. Vídeos, pinturas, desenhos, esculturas, objetos à maneira dos ready-made de Duchamp, instalações e performances começaram a enfocar as práticas e os instrumentos, até mesmo uniformes, medalhas e troféus.

O esporte tornou-se uma metáfora social. Hoje, poucos artistas lhe dão um lugar exclusivo, mas inúmeros consagram a este fenômeno trabalhos pontuais, séries ou fases inteiras. Todos transformam a nossa maneira de encará-lo, provando, finalmente, que tanto os Jogos Olímpicos quanto a arte têm algo em comum: a história da modernidade.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.