O xadrez político na disputa pela Prefeitura de São Paulo está sendo jogado a passos lentos e atingiu uma das principais bandeiras do governo de São Paulo: a privatização da Sabesp. Aprovada em primeiro turno na Câmara de São Paulo, a medida chegou a ficar ameaçada, mas a disputa pelos cargos de vice mudou o cenário.

Dos principais candidatos, somente Guilherme Boulos (PSOL) escolheu sua vice: a ex-prefeita Marta Suplicy (PT). Kim Kataguiri (União Brasil), Tabata Amaral (PSB) e Ricardo Nunes (MDB) ainda estão próximos ou na metade do caminho para a composição de chapa. O primeiro ainda não tem formação de coligação, enquanto a segunda quer o apresentador José Luís Datena em seus quadros. 

Dos três, a disputa mais efusiva está em Nunes. O atual prefeito da capital paulista até tenta impor suas vontades, mas esbarra nos apoios de Jair Bolsonaro (PL) e do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos). Embora não admitam publicamente, ambos querem escolher a composição de chapa do emedebista. 

A secretária de Políticas para Mulheres, Sonaira Fernandes, é a favorita para assumir o posto. Mas tem outro cacique de olho nessa vaga: o presidente da Câmara Municipal, Milton Leite (União Brasil).

Correndo por fora, Leite deu recados claros a Tarcísio de que poderia barrar sua principal bandeira nas eleições de 2022: a privatização da Sabesp. Em 2023, Milton se movimentou por toda a Câmara e criou uma comissão para atacar a venda da estatal. 

Vereadores chegaram a cogitar romper o contrato com a companhia e criar uma empresa municipal para gerir a água e o esgoto da capital. Enquanto isso, Milton ganhava tempo para mostrar seu poder a Tarcísio. 

Na virada do ano, o cenário mudou. Ricardo Nunes precisou interferir e pedir a ajuda de Milton Leite para conseguir emplacar a venda da estatal. Caso contrário, o prefeito poderia sofrer retaliações às vésperas das eleições municipais. 

O presidente da Câmara prontamente atendeu, sem exigir condições, momentaneamente. Na última reunião de líderes, realizada na terça-feira, 23, Milton Leite anunciou que trabalha para ser vice de Ricardo Nunes. O mesmo foi falado para interlocutores em um jantar que reuniu partidos da coligação, além do secretário de Relações Institucionais, Gilberto Kassab, e o ex-presidente Michel Temer. 

Enquanto os governistas comemoram a aprovação do texto em primeiro turno, a oposição trabalha para ganhar tempo e segurar a votação da redação final da proposta. Nesta semana, a Justiça de SP determinou a realização de todas as audiências públicas e o cálculo do impacto financeiro com a renovação do contrato.

A vereadora Luana Alves (PSOL) critica a privatização da empresa e afirma que a venda da estatal poderá dar lucros a poucos e prejudicar o acesso ao saneamento. Ela lembra não haver necessidade de discutir o projeto, já que a empresa opera em economia mista. 

“A Sabesp já é uma empresa de economia mista. O que acontece é que é uma promessa de campanha do Tarcísio. Na prática, a população vai pagar para meia dúzia ter lucros”, afirma a vereadora. 

“Tem uma pressão do governo estadual na presidência da Câmara e um jogo eleitoral. O Nunes quer a presença do Tarcísio na campanha e, por isso, o governo estadual pressiona e condiciona o apoio à aprovação da privatização da Sabesp”, conclui. 

As declarações da parlamentar foram rebatidas por Rubinho Nunes (União Brasil), relator da comissão que analisava o rompimento do contrato. Na opinião do vereador, o texto melhorou com o atendimento das demandas da Câmara. Ele vê a privatização como alternativa para organizar os serviços da empresa.

“O governo do estado evoluiu nas questões colocadas pela Câmara. Os vereadores não eram contra, só queriam que as demandas do município fossem atendidas. Com isso, nos sentimos confortáveis para votar”, explica o parlamentar.

“Com a venda, conseguimos garantir a universalização do saneamento e isso foi comprovado pelo governo. Outro ponto: a falta de planejamento atual da empresa acaba prejudicando o munícipe e afetando o atendimento ao consumidor”, completa.  

Modelo de privatização

Na proposta aprovada pela Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), o governo estadual apostou na redução da porcentagem como acionário da empresa. Segundo o projeto, o índice cairá de 50% para uma variação entre 15% e 30% gradativamente. 

O texto ainda adota o modelo de golden share, ou seja, o Palácio dos Bandeirantes terá poder de veto em alguns temas que envolvem a empresa. Entre eles está a mudança de nome, sede e até o poder de votos dos demais acionistas. 

Funcionário da Sabesp por mais de 20 anos, o advogado Rubens Naves afirma que o projeto tramitou de forma atropelada e que a empresa é autossustentável. Naves ressalta também que a própria constituição estadual determina que o estado comande o saneamento básico.

“É muito estranho como está sendo realizada, atropelando inclusive o processo legislativo, não só do processo legislativo, mas as próprias normas constitucionais. A constituição do estado de São Paulo, a constituição é muito clara que o estado tem a obrigação de desenvolver as atividades de saneamento sob controle de uma empresa estatal, uma sociedade de economia mista”, afirma. 

O advogado Felipe Graziano ressalta que o modelo não tira o governo estadual totalmente do controle da empresa, apenas abre espaço para a entrada de mais investimentos do setor privado. 

“O governo continuará controlando as ações da empresa por meio de sua agência reguladora. Ou seja, o serviço não deixará de ser totalmente público, justo porque o estado manterá o controle de parte da companhia. Fora que haverá alguns poderes específicos no novo acordo de acionistas que está sendo desenhado”, diz.

Graziano ainda diz ser normal a possível judicialização da privatização, mas vê a interpretação dada à literalidade da Constituição Estadual como “equivocada”. De acordo com a Carta, o saneamento básico é de responsabilidade do estado.

“Esse aspecto da Constituição do Estado de São Paulo, a leitura que algumas pessoas estão fazendo para defender que não poderia haver uma privatização, é bastante equivocada. Se levasse à literalidade, nenhuma empresa privada poderia prestar serviços ao Estado, o que não é verdade”. 

“Já que muitos municípios, como Araçatuba, que têm concessões para as empresas privadas que prestam serviços já há bastante tempo, absolutamente regular e com resultados muito interessantes”, completa.

Qualidade do serviço

A privatização da Sabesp acontece em meio à uma crise que atinge a distribuição de energia elétrica na capital paulista. Pelo menos desde outubro, moradores sofrem com quedas frequentes de energia, principalmente na região central da cidade. 

Gerida pela Enel, a energia elétrica era de responsabilidade da Eletropaulo até 1998, quando foi privatizada ainda no governo Mário Covas (PSDB). Comemorada na época, a venda da empresa foi colocada em xeque nos últimos meses após as quedas no fornecimento de energia. 

O trabalho da Enel é questionado pelo próprio prefeito Ricardo Nunes, que chegou a pedir o rompimento do contrato com a empresa.

Luana admite que há preocupação com a queda na qualidade do fornecimento de água e esgoto em São Paulo. Segundo a parlamentar, as chances de a empresa seguir o mesmo caminho da Enel são grandes se não houver a participação do estado. 

“Com certeza. O governo tem um papel a cumprir para disponibilizar saneamento para o estado. Mas o que acontece, das mais de 300 cidades, a grande maioria é deficitária. São Paulo é uma das poucas que garantem o lucro da Sabesp. Não sei se com a privatização, haverá interesse no investimento em cidades pequenas que não dão retorno”. 

Rubinho Nunes vê exagero na colega e justifica que Enel e Sabesp são casos diferentes. Para o parlamentar, a mudança pode elevar o serviço prestado na distribuição de água e esgoto. 

“A situação é completamente diferente. Temos que fazer uma comparação com a privatização da Telebras. Tenho certeza de que você está usando o celular e eu também. No caso da energia, a capacidade de armazenamento de energia é escassa, ao contrário da água”. 

“O segundo ponto é que a distribuição de água é subterrânea, ao contrário da energia elétrica. Em terceiro, o contrato dos serviços será estadual e municipal, ou seja, mais próximo da população”. 

Já Rubens Naves vê a Sabesp com possibilidade de criar outros caminhos para a entrada da iniciativa privada. Ele ainda discorda da venda da estatal e afirma que a empresa é autossustentável.

“A Sabesp é autossustentável. Ela já comprovou a qualidade do serviço e ainda mais tem reconhecimento de organismos internacionais pelo que ela oferece. Privatizar vai prejudicar e muito o consumidor”, afirmou.  

A proposta ainda não tem data para ser votada em segundo turno no plenário da Câmara. Entretanto, vereadores da base Nunes tentam agilizar o texto e colocar em votação ainda neste primeiro semestre.