Há muito tempo o mercado de games deixou de ser brincadeira de criança e se tornou um negócio bilionário. Somente em 2020, deve movimentar US$ 174,9 bilhões em todo o mundo, alta de 19,6% em relação ao ano anterior. O valor é US$ 15,6 bilhões maior do que o estimado antes da pandemia. Mas o isolamento não foi o único responsável pelo aumento: o setor já vinha crescendo mais de dois dígitos há pelo menos dois anos e a expectativa é superar os US$ 218 bilhões até 2023. A quarentena só deu o impulso que faltava a essa rentável fatia do mercado de entretenimento, área que já supera as indústrias de cinema (US$ 50 bilhões) e a de música (US$ 20 bilhões). Ao todo são mais de 2,6 bilhões de jogadores no mundo, o equivalente a um quarto da população do planeta.

JOGO NA MÃO O estudante Antonio Ferrite diz que tem jogado mais durante a pandemia: os dispositivos móveis já movimentam mais da metade da indústria (Crédito:Divulgação)

Tamanha expansão não iria passar despercebida pelos investidores. Eles mantêm um olho nos papeis das empresas de hardware, os equipamentos usados pelos jogadores, e o outro nas de software, aquelas que efetivamente produzem os jogos. Ações de companhias conhecidas como a Sea, de Cingapura, que produz o megasucesso “Free Fire”, subiram 267% até setembro desse ano. A sul-coreana Gravity, criadora do popular Ragnarok, também disparou na Nasdaq, a bolsa de valores com foco em tecnologia: 255% de alta. Os resultados chamaram atenção até das corretoras brasileiras, que se debruçaram sobre a evolução do setor e agora já oferecem oportunidades de investimentos. Pode-se aplicar em ações de empresas, através de corretoras, mas também é possível comprar os chamados Brazilian Depositary Receipts (BDRs), ou recibos de ações, na bolsa brasileira B3.

No mercado de entretenimento, os games já movimentam mais do que o cinema e a música: seus mais de 2,6 bilhões de jogadores representam um quarto da população do planeta

“O setor de games já é responsável por 0,5% da composição do índice S&P500, que movimenta US$ 23 trilhões. Se adicionarmos as empresas de semicondutores, isso sobe para 5%. Um volume bastante considerável”, afirma Breno Bonani, estrategista da corretora Avenue. Segundo ele, o grande impulso do mercado foi dado pelos jogos para dispositivos móveis. Em 2012, eles eram apenas 18% dos jogos; hoje representam mais da metade do mercado e movimentam cerca de US$ 86,3 bilhões. “Muitos jogos para celular são gratuitos, mas os jogadores vão comprando itens ao longo do jogo, o que garante maior fluxo de caixa para essas empresas”, diz Bonani.

O lançamento dos smartphones é considerado a grande virada para a indústria de games, segundo Sandro Manfredini, presidente da Abragames e diretor da Aquires Games Studio. A Nokia foi a primeira a popularizar um jogo em celular, o “Snak”. Com o lançamento do iPhone pela Apple, em 2007, vieram “Angry Birds” e tantos outros. “A partir daí as pessoas passaram a ter no bolso um dispositivo de jogo, e até quem nunca jogou passou a gostar”, diz Manfredini. O estudante Antonio Ferrite, de 18 anos, é um bom exemplo de jogador que vive com o celular na mão. “Estou jogando mais agora, porque fico mais em casa graças à pandemia”.

O Brasil também entrou nesse jogo e já tem mais de 300 desenvolvedoras de games. Na última semana, o jogo “Dandara”, de uma empresa de Minas Gerais, entrou para a lista da Apple como um dos melhores do mundo. “Esperamos que isso ajude a atrair investidores, assim como aconteceu na Ásia”, diz Manfredini. Para os próximos anos, a expectativa é de uma explosão apoiada nos avanços de realidade virtual, realidade aumentada e a conexão 5G. “Os consoles são computadores poderosos e caros, o que torna esse mercado mais adulto, girando mais dinheiro. Por isso, criamos fundos que investem especificamente em tecnologias”, explica George Wachmann, CIO da Vítreo.

Futuro promissor

O primeiro fundo da corretora, o Tech Select, é voltado para papeis de empresas globais de tecnologia. O segundo foca nas brasileiras; o terceiro, nas asiáticas. A corretora chegou a criar um fundo totalmente voltado para empresas de jogos, o Tech Games, com investimento inicial de R$ 5 mil. O mercado também assiste a uma série de aquisições. A Sony pagou US$ 250 milhões por 2% da Epic Games, produtora do jogo “Fortnite”, febre entre jogadores do mundo inteiro. A Amazon comprou o serviço de streaming de jogos Twitch por US$ 1 bilhão. “A popularização dos streamings impulsionou os e-sports e fez com que essa comunidade interagisse de outra forma, inclusive no hábito de assistir a outras pessoas jogando”, explica Leonardo Vianna, sócio e CIO da corretora Hurst. Segundo ele, já foram contabilizadas 5 bilhões de horas assistidas no Twitch somente no segundo trimestre, audiência maior do que a NFL, a liga profissional de futebol americano. “O sucesso dessas empresas depende de lançamentos que caiam no gosto do público”, explica. O futuro é promissor: as novas versões das plataformas de Playstation e Xbox esgotaram antes mesmo de chegar ao mercado, o que surpreendeu fabricantes e varejistas. O sucesso atual indica que os players desse mercado ainda passarão por muitas fases — e estão bem longe do game over.