Com uma personalidade “particularmente atípica”, o ex-cirurgião Joël Le Scouarnec, 74 anos, conseguiu esconder durante décadas suas parafilias, o que o levou a abusar sexualmente de cerca de 300 pacientes, a maioria crianças.
Le Scouarnec nasceu em Paris, filho de um marceneiro e de uma zeladora. Mais velho de três irmãos, era um ótimo aluno, bastante solitário, e sonhava se tornar cirurgião desde os 10 anos, o que conquistou na década de 1980.
Ele se casou e teve três filhos entre 1980 e 1987. Mas, por trás da imagem de uma família sem problemas, o casamento ficou cada vez mais tenso à medida que as tendências pedófilas do médico aumentavam.
“Joël está possuído pelo diabo (…) e não suspeita de nada”, disse ao Le Télégramme em 2019 sua agora ex-esposa, de quem se separou no início dos anos 2000 e se divorciou em 2023.
A mulher também disse que “nunca” suspeitou dele, embora tenha o flagrado “olhando de forma estranha” para jovens vizinhos.
Nos vários hospitais do oeste da França onde trabalhou, a maioria de seus antigos colegas o descreveu como um homem “discreto” e um médico “competente”, que nunca levantou dúvidas, exceto para dois deles.
Le Scouarnec mudou de hospital em diversas ocasiões por vários motivos: conflitos com colegas, oposição à compra de uma clínica por um grupo de “financistas”, fechamento de seu departamento etc.
Fora do hospital, ficava isolado. Em sua casa, colecionava dezenas de bonecas, com as quais praticava atos sexuais, e tirava fotos e vídeos de suas práticas, que também eram zoofílicas, escatológicas e sadomasoquistas.
Segundo suas declarações, citadas pela acusação, o réu explorou “o que há de mais sórdido, de mais sinistro” e se entregou “ao mundo da pedofilia”, acreditando ser intocável.
Em seus cadernos, descobertos durante uma operação em 2017, registrou e listou sua vida sexual, alegando ser “obcecado, até mesmo tiranizado, por tudo relacionado ao sexo”.
Os investigadores encontraram mais de 50.000 fotos violentas e 5.000 vídeos.
“Peritos psiquiátricos e psicólogos conseguiram esclarecer as diferentes tendências de uma personalidade particularmente atípica”, disse o Ministério Público à imprensa.
A Justiça o descobriu em 2004 através de seu cartão bancário, utilizado para acessar sites de pornografia infantil. Um tribunal em Vannes o condenou em 2005 a quatro meses de prisão, com suspensão da pena.
Essa condenação não o impediu de continuar sua carreira como cirurgião até 2017, quando se aposentou.
No mesmo ano, quando sua vizinha de 6 anos denunciou um estupro, o número de vítimas veio à tona. Além de centenas de pacientes, também abusou sexualmente de duas sobrinhas.
Em dezembro de 2020, sentou no banco dos réus do tribunal de Saintes. Desde então, cumpre 15 anos de prisão por estuprar sua vizinha e uma sobrinha na década de 1990, e por abusar sexualmente de outra sobrinha e de um paciente menor de idade durante o mesmo período.
Francesca Satta, advogada das vítimas em Saintes que também atuará em Vannes, o descreve como “muito frio, muito distante” e calculista: “Só avança seus peões quando sabe quais peões nós avançamos”.
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