Jocy de Oliveira ainda lidava com os primeiros impactos da pandemia quando recebeu um pacote em sua casa. Dentro dele, uma surpresa. Era o manuscrito do novo livro de Adriana Lisboa – inspirado na influência que a obra da compositora teve em sua trajetória.

Foi o ponto de partida para que Jocy colocasse no papel as ideias para sua nova criação, Realejo de Vida e Morte, da qual os principais trechos serão apresentados nos dias 1.º, 2 e 3 de julho, no Sesc Pompeia.

Em seu último trabalho, o longa-metragem Liquid Voices, Jocy experimentou um gênero que batizou de ópera cinemática. Sua obra sempre foi marcada pelo olhar não apenas para a música, com todos os elementos (texto, cena, cenários, figurinos) fazendo parte em conjunto do processo de criação. No caso, também com o cinema como referência.

Realejo de Vida e Morte também será um filme. “Não sei ao certo se será uma ópera cinemática, mas o futuro filme sem dúvida se enquadra no formato de música/vídeo, infelizmente um formato que não consta nos festivais de cinema do Brasil”, ela diz, usando o termo intersemiose, ou seja, a articulação dos signos de diferentes formas artísticas para explicar o conceito da obra.

A nova peça gira em torno de um homem e uma mulher, vividos pela soprano Gabriela Geluda e o contratenor Sávio Faschet, confinados em um mundo pós-hecatombe, um planeta abandonado. “Não importa se a destruição foi ambiental, política, por repressão, guerras, pandemias. O consumo é escasso, a vida almejada é simples e resume-se para eles ao primordial: suas memórias, seus fantasmas, os sonhos de uma juventude que incluem a música, a arte, o teatro, a liberdade do viver”, explica a compositora.

Nos concertos no Sesc Pompeia, o público terá a chance de ver “um trabalho em progresso”, com flashes musicais, imagens, sons e palavras do roteiro do futuro filme.

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“O romance de Adriana Lisboa é sobre a minha obra e as minhas peças que impactaram a sua vida artística. Assim foi muito natural eu conceber uma livre adaptação para outra mídia, teatro e cinema, que Adriana, com sua sensibilidade, aprovou com entusiasmo”, diz Jocy sobre a relação entre sua nova obra e o livro.

“Meu ponto de partida foram seu romance e suas reflexões sobre meu trabalho. A explícita ambiguidade e atemporalidade do roteiro deixa perpassar uma analogia dos dias trágicos que vivemos. O resto são silêncios a serem preenchidos pela imaginação do espectador”, continua.

Atafona

Estabelece-se, assim, o que Jocy chama de circularidade, ou seja, “uma obra que gera um romance, que inspira um filme”. “O livro da Adriana é narrativo e literário. Teatro e cinema transformam a metáfora em imagem dinâmica e som. São linguagens diferentes. Adicionei personagens, como um coro que comenta, reflete, e tem premonições, como o coro na tragédia grega. As cores mais neutras do romance muitas vezes tomam tonalidades mais definidas como a escolha, como cenário, de Atafona, vilarejo no norte fluminense assombrado pela erosão causada pelo mar, que, implacável, tem engolido centenas de casas, deixando o povoado despovoado…”

Os espetáculos contam com a participação do Ensemble Jocy de Oliveira, reunindo, além de Geluda e Faschet, artistas como as sopranos Doriana Mendes e Claudia Alvarenga e as meios-sopranos Laiana Oliveira e Luciana Costa e Silva. E terão a evocação de outras obras da compositora: a começar por Realejo dos Mundos, peça estreada em 1987 e apresentada no Estádio do Remo da Lagoa para um público de quase 20 mil pessoas.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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