Em julho de 2013, o médium goiano João Teixeira de Faria, conhecido como John of God (João de Deus), reuniu 10 mil pessoas na Messe Basel, centro de convenções em Basileia, para mostrar suas sessões de cura famosas mundialmente. Na segunda viagem à Suíça, como sempre faz em turnês mundiais, realizou cirurgias espirituais munido de facas comuns, agulhas, linhas e tesouras — ferramentas nos quais se tornou exímio na juventude, quando trabalhou como alfaiate.

Na Europa, repetia a rotina que mantém há 42 anos na Casa Dom Inácio, em Abadiânia, vilarejo a 80 quilômetros de Goiânia, frequentada por pessoas de todo tipo, sobretudo do tipo celebridades. Vestido de branco, sentado a uma cadeira de costas para um triângulo preso à parede, revirou os olhos azuis para receber uma das 40 entidades que se apossam de seu corpo. Na ocasião, recebia o espírito do rei Salomão. Este ordenava em português que os deficientes abandonassem as muletas e caminhassem, procedia a sangrias para sanar dores crônicas e extirpava tumores de doenças consideradas incuráveis por meio de uma tesoura inserida nas narinas dos pacientes. O estado de espírito entre os fiéis trajados de branco era de êxtase, até ser interrompido por um homem que desafiou o paranormal: “Se o senhor diz que é milagroso, por que não mostra algo que nenhum ser humano é capaz de fazer?” João espatifou um copo da mesinha ao lado e mastigou os cacos de vidro. Então cuspiu os fragmentos, mostrou a língua sem ferimentos ao contendor cético e lhe perguntou: “Viu o que fiz? Você é capaz de fazer isso?”

CELEBRIDADES João Teixeira de Faria com a apresentadora Oprah Winfrey, em 2012, e com a atriz Cissa Guimarães

Milagre

O episódio faz parte do longa-metragem “João de Deus: o Silêncio é uma Prece”, que entra em cartaz nesta semana. O diretor Candé Salles afirma que levou um susto e não teve tempo de filmar a cena completa, mas conseguiu flagrar a mastigação milagrosa. “Até os médicos presentes se espantaram”, diz. “Disseram que um ser humano normal seria recolhido ao hospital para extrair os cacos de vidro na língua.” Segundo Edna Gomes, roteirista e assessora de imprensa do místico, foi um ato extraordinário: “O rei Salomão não incorporava havia 16 meses. E voltou de mau-humor”.

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MÃOS QUE CURAM João de Deus opera espiritualmente uma paciente na Casa Dom Inácio em Goiás (Crédito:Adriano Machado)

O filme, diz Candé, pretende alcançar a simplicidade da Casa Dom Inácio e de seu criador. “Edna e eu estamos totalmente evolvidos com o tema”, afirma Candé. “João exigiu que passássemos por um tratamento para acompanhá-lo. O filme surgiu nos recantos secretos da Casa.” Mesmo assim, o diretor não crê que o documentário possa ser usado como uma peça de propaganda.

Com a narração da atriz Cissa Guimarães, paciente da Casa Dom Inácio, o longa de 100 minutos leva a plateia a penetrar na intimidade de um sertanejo rude que enriqueceu com garimpo de ouro, pedras preciosas e na pecuária, e ainda por cima conquistou a glória mundial por meio de operações que obtiveram alto índice de eficácia. Mesmo dizendo que mais 9 milhões de pacientes foram curados nos últimos 50 anos, nem por isso se considera santo. Ao contrário, frequentou bordéis, viajou pelo mundo, gosta de se divertir e tem nove filhos com nove mulheres. Nas sessões, afirma que permanece inconsciente. “Não curo ninguém”, repete. “Quem cura é Deus.” Apesar da simpatia pela maçonaria (refere-se a Deus como “Grande Arquiteto do Universo”) e pelo espiritismo (Chico Xavier foi seu guia), João se declara católico, fiel em Santa Rita de Cássia e principalmente devoto da ciência.

Sucessor à Vista

Em entrevista à ISTOÉ por e-mail, João defende a união da espiritualidade e da ciência. “A cura no meu hospital de almas atinge a causa espiritual dos males”, afirma. “Mas o paciente não pode dispensar a medicina.” O filme mostra como em 2015 ele venceu um câncer no estômago ao se tratar no hospital Sírio-Libanês de São Paulo, experiência para ele iluminadora, porque a partir daí passou a pensar em um sucessor nos negócios espirituais. Eis o traço que tanto o diferencia de outros médiuns e médicos paranormais como lhe dá credibilidade internacional, mesmo diante dos céticos que o desafiam.

ENTREVISTA
João de Deus

“Espiritualidade e ciência caminham juntas” (Crédito:Adriano Machado)

Como o senhor concilia a vida espiritual na Casa Dom Inácio e as atividades como empresário e ruralista?
Venho de uma família pobre, passei fome, fui alfaiate, e depois fui tentar a vida nos garimpos e trabalhei muito para ter o que tenho. Hoje tenho a obrigação de retribuir o que Deus me ajudou. Tenho o dever de ser verdadeiro com a vida. O meu sucesso profissional eu devo corresponder à luz que Deus me presenteou.

As entidades próximas do senhor variam muito?
Não tenho domínio sobre meu corpo. Sinto a presença de tantas entidades… mas tenho um guardião que não me abandona nunca, Deus.

De que forma o senhor lida com o fato de algumas pessoas não terem sido curadas pelo senhor?
Se a pessoa não tem fé em Deus, não sou responsável. A fé é superior, uma força que vem não sabe de onde, fé no que temos dentro de nós ­— a gente é mais forte do que imagina!

Como a cura espiritual se harmoniza com o tratamento médico convencional?
Espiritualidade e ciência caminham juntas para trazer a realização na vida.

O senhor foi operado do câncer num hospital em São Paulo. Tirou alguma lição da experiência?
Sim! Que o sol tem uma beleza única. Nunca tinha percebido o quanto é bom senti-lo na minha pele. Que Deus foi incrível comigo, me fazendo crer que a vida é por demais bela.

As entidades que o cercam são sempre desafiadas a provar a força. Como lidar com os céticos?
Allan Kardec, ao se pronunciar a respeito da validade do pensamento dos imortais que inspiraram o aparecimento
do espiritismo no mundo, nos diz em sua lucidez e extremo bom senso que, se um dia a ciência provasse que o espiritismo estivesse errado em seus postulados, que ficássemos com a ciência.



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