18/08/2023 - 8:18
O mestre Douglas Rufino trabalha há 20 anos “salvando vidas” através do jiu-jitsu na favela do Cantagalo, no Rio de Janeiro, onde esta arte marcial mexeu com a sociedade no início do século.
Em um edifício no alto do morro, localizado entre os bairros nobres de Copacabana e Ipanema, Rufino passa seus conhecimentos de faixa preta a jovens da comunidade, assolada pelo crime organizado e a falta de oportunidades.
Ele trabalha como professor do projeto social Cantagalo Jiu-jitsu desde 2003, três anos depois de sua criação, e de onde saíram alguns campeões do esporte.
“O projeto nasceu em 2000, com o intuito de ajudar as crianças daqui da comunidade, uma tentativa de dar um futuro melhor e dar uma oportunidade aos jovens, como eu e outros amigos meus, de poder viver do esporte, de poder viver do jiu-jitsu”, diz o professor à AFP durante um treinamento.
Sua imagem e a de outros lutadores faixa preta decoram as paredes do local onde treinam meninos e meninas que esperam seguir seus passos.
Além dos movimentos e técnicas desta arte marcial de origem japonesa e vertente brasileira, os jovens aprendem valores para a vida.
“Tem muitas crianças que chegam aqui rebeldes e acabam saindo na disciplina, porque o jiu-jitsu é isso: respeito e disciplina”, afirma Fabiano dos Santos Guedes, um lutador de 17 anos.
Nascido há 41 anos no Cantagalo, Rufino destaca o alcance do jiu-jitsu, que levou crianças da comunidade a lutar ou ensinar o esporte em países como Suécia, Singapura, Estados Unidos e Portugal.
“Posso dizer que me salvou também, eu poderia ter seguido outro caminho aqui na comunidade”, diz o professor, que em 2006 foi campeão mundial do peso pluma.
O caminho, no entanto, não é fácil. Enquanto os profissionais do futebol conseguem se tornar milionários antes mesmo de completarem 18 anos, os frutos do jiu-jitsu, se vierem, só são colhidos na idade adulta.
“Tem que persistir muito para poder ganhar dinheiro (…) São oito a dez anos [de treinos] sem ganhar nada, apenas investindo para vencer no futuro”, explica.
Para o jovem Fabiano, um exemplo que o motiva é seu próprio primo, faixa preta radicado no exterior, e que começou no jiu-jitsu aos seis anos.
“Por isso venho treinar jiu-jitsu, porque também tenho o sonho de morar lá fora e ser campeão mundial na faixa preta”, conta o adolescente.
Campeã brasileira na categoria leve, Beatriz Freitas, nascida na comunidade Julio Otoni, no bairro das Laranjeiras, tem a mesma inspiração de Fabiano.
Mas se não conseguir o título mundial, ela vai se concentrar em ser uma “excelente professora” de um esporte em que os homens são maioria.
Ao começar a praticar a arte marcial, em 2020, “estava num momento muito estressante da minha vida, sendo muito agressiva em casa, na escola também, então conheci o jiu-jitsu como forma de extravasar tudo isso”, conta a jovem de 22 anos.
Mas o jiu-jitsu brasileiro também tem um passado sombrio.
Nos anos 1990 e início da década de 2000, esta arte marcial deu o que falar na sociedade carioca, ocupando manchetes na imprensa e sendo objeto de investigações.
Na época, o esporte estava no auge, especialmente entre as classes sociais mais altas, que tinham condições de pagar para aprender suas técnicas de defesa pessoal, explica o sociólogo Bruno Cardoso.
O Rio de Janeiro começou a registrar brigas nas ruas e bares que, em alguns casos, envolviam lutadores de jiu-jitsu que geralmente compartilhavam o mesmo estereótipo: homens brancos, musculosos e donos de cachorros da raça pitbull.
A imprensa os batizou como “Pitboys’ e acompanhou de perto os atos violentos que eles protagonizavam.
“Tinham casos importantes que envolviam lutadores de jiu-jitsu. Tinha uma moda de jiu-jitsu que certamente colaborava para dar essa visibilidade, mas também gerou, a partir de um momento, um rótulo que não se pregava nos casos de violência”, porque os envolvidos nem sequer praticavam a disciplina, conta Cardoso.
As brigas arranharam a imagem do esporte, mas os anos e os esforços de alguns mestres para evitar que os atletas fossem relacionados a atos violentos permitiram virar essa página.
“Está bem mais calmo, graças a Deus, até porque o jiu-jitsu é um esporte para a pessoa ser profissional ou praticar por bem-estar, pela saúde”, afirma Rufino.
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