Jean Paul Gaultier é um iniciado no Brasil. Nos últimos anos, o estilista francês é assíduo convidado estrangeiro do baile anual da amFar, em São Paulo, para arrecadar recursos para a luta contra a Aids. Aos 64 anos, com o astral de eterno enfant terrible da moda, Gaultier captura os olhares, sempre divertido. Nos anos 90, ele perdeu seu parceiro para a doença. “O importante é manter a luta. O preservativo é a melhor peça de roupa . Eu gostaria de tê-lo inventado”, diz ele a ISTOÉ. Na quinta-feira 13, Gaultier desembarcou no Rio de Janeiro. Desta vez, para relançar suas fragrâncias que foram sucesso nos anos 90, depois de ele inventar o figurino corset com o sutiã em forma de cone que eternizou Madonna. A peça o catapultou para o olimpo dos estilistas pop-star.

Gaultier não veio para os Jogos Olímpicos, mas assistiu pela televisão. “Foi uma grande Olimpíada”, diz.

Festa excêntrica

Os dias no Rio foram festivos. Ele ganhou uma festa excêntrica em uma mansão em Santa Teresa. Ouviu Elza Soares cantar para ele e dançou com transformistas e uma bailarina negra vestida apenas com uma saia em forma de cachos de banana. Houve quem achasse polêmico a moça nua, mas houve quem lembrasse que Gaultier já desfilou nos anos 90 com Madonna de seios à mostra. Com a dançarina, foi para pista ao som de “Toda menina baiana” de Gilberto Gil. Subiu o Morro do Vidigal, conheceu um projeto social e saboreou caipirinhas e acarajés.

Sua passagem pelo Brasil coincidiu com uma fase promissora e um resgate dos áureos anos 90. A Puig, gigante espanhola de fragrâncias e moda que faturou mais de 1 bilhão de euros no ano passado, comprou a linha de perfumes de Gaultier e investe pesado no marketing de sua figura ícone para o relançamento dos perfumes Classique e La Male, tendo o próprio estilista como garoto-propaganda. A Puig já era dona da maison de alta costura desde 2011 e agora é sócia majoritária. “Sou costureiro. Nunca gostei dos negócios. O que eu amo é criar desfiles como algo vivo”, diz ele. “Minha vocação veio do cinema, do filme Fallbalas, de Jacques Becker. Quando vi um desfile de moda no filme, já sabia que era o que eu queria fazer. E eu mal tinha 10 anos de idade. Meu sonho era criar moda e eu vivo meu sonho.”

“Preservativo é a melhor roupa. Gostaria de tê-lo inventado”

“O Brasil está sempre na moda”
Em entrevista a istoÉ, o estilista francês contou que viu a Olimpíada pela TV. Ele afirma que o País será sempre fashion “tanto quanto nós sempre teremos Paris”:

O sr. desembarca mais uma vez no Brasil. Como vê o momento de crise política e econômica enfrentada pelo País?

O Brasil é um país lindo, que eu amo e que visitei muitas vezes. Estou muito feliz de estar de volta. Os Jogos Olímpicos foram um grande sucesso. Eu assisti à Olimpíada pela TV. Tenho certeza que vocês vão superar as crises política e econômica.

O mundo está passando por uma onda mais conservadora e de xenofobia. Por que o sr. acha que isso acontece?

Tenho notado há algum tempo que as liberdades com que nós sonhamos e que conquistamos estão começando a desaparecer. Por exemplo, o direito ao aborto para as mulheres, a igualdade de direitos para os homossexuais, as liberdades religiosas. Na França, depois da lei que autorizou o casamento gay, tivemos uma reação com manifestações de rua contrárias a ele. Não é
meu papel dizer o que está acontecendo, mas temos de continuar a lutar para manter nossas liberdades.

Só em ISTOÉ ONLINE: Confira a segunda parte da entrevista de Jean Paul Gaultier à Gisele Vitória

Há registros de intimidação aos gays, e tragédias, como a na boate Pulse, em Orlando. Como sente o preconceito hoje?

Já percorremos um longo caminho, de onde estávamos até hoje, mas ainda há países onde ser homossexual é uma ofensa, com punição. Nós ainda temos um longo caminho para seguir.

Qual seria a contribuição da moda num momento de crise mundial?

As roupas são importantes porque elas podem nos ajudar a nos expressar. A partir dos slogans em camisetas a muito mais, cobrindo ou descobrindo nossos corpos. Roupas podem nos dar confiança, ou podem nos ajudar a criar o nosso blend. Nós podemos nos esconder nelas ou nos destacar.

Como o sr. vê Paris após os ataques terroristas? No filme “Casablanca”, que se passa durante a segunda Guerra Mundial, Humphrey Bogart diz a Ingrid Bergman: “Sempre teremos Paris”. É possível dizer que teremos Paris como ela sempre foi?

Paris é a minha cidade. Eu nasci no subúrbio de Paris. Eu vivi minha vida inteira aqui. Os tempos estão mesmo muito difíceis. Mas eu acredito firmemente que nós sempre teremos Paris.

O mundo está mais sombrio. Como isso influencia a sua criação?

Evidentemente eu vivo no mundo real e vejo o que está acontecendo ao meu redor. Mas prefiro extrair inspiração da beleza do que da escuridão. Ou, se é para ser “escuridão”, vamos fazer um “Rocky Horror Picture Show”!

O sr. lamentou o Brexit?

Pouco antes do Brexit, participei de uma edição do “Eurotrash” (série de TV cômica, apresentada na Inglaterra por Gaultier e Antoine de Caunnes) que foi ao ar em 17 de junho (dia do referendo). Espero que não tenha sido culpa nossa que os britânicos tenham votado para o Reino Unido sair da Europa. Será que eles não gostaram do nosso show?

Jean Paul Gaultier é ícone dos anos 90. Como o sr. enxerga a sua marca hoje?

Vejo a marca Jean Paul Gaultier em um bom lugar. Há 10 anos, eu não sabia que iria parar de atuar no Pret à Porter, mas agora que é fato, eu me sinto feliz. A indústria da moda mudou de 10 anos para cá. A alta costura me mantém ocupado e na moda, e ainda inovando. Os perfumes, junto com a Puig, estão indo maravilhosamente. Tenho tempo para me envolver em todos os aspectos do negócio e posso fazer projetos que sempre sonhei. Desenhei 500 figurinos para um show em Berlim, “The One”, em Friedrichstadt Palast. Era um sonho de infância.

A operação Lava Jato desvenda uma teia de corrupção sistêmica no Brasil. Como vê a imagem do País de longe?

O Brasil está e estará sempre na moda tanto quanto nós sempre teremos Paris.