Javier Bardem era um mero doador do Greenpeace quando foi convidado, por meio de seu irmão Carlos, a fazer uma viagem à Antártida no navio da organização para ajudar a aumentar a conscientização e a pressão pela criação de um santuário oceânico na região. Dali, surgiu a ideia de fazer o documentário Sanctuary (santuário, na tradução), que estreou no último Festival de Toronto.

O ator espanhol ficou tão espantado com o que descobriu sobre a velocidade da mudança climática e de como isso afeta os oceanos e a Antártida que participou de reuniões com políticos e na ONU. Durante o Festival de Zurique, onde também apresentou o documentário, Bardem falou à reportagem.

O que o levou a fazer o documentário?

Foi o interesse natural de um cidadão que é pai de uma criança de oito anos de idade e outra de seis. Que está sentindo na pele a mudança climática, porque onde ele mora, Madri, não existem mais estações do ano. Ou está muito quente ou muito frio. Eu tenho 50 anos. Quando eu tinha 10, morava perto de um parque e amava as estações do ano. Por isso eu me juntei à campanha no navio do Greenpeace. E disse que, como não entendia nada do assunto, então ia ser os olhos e os ouvidos do público.

Ficou surpreso com o que descobriu?

Fiquei alarmado. Porque fui lá e vi. Estava cercado por pessoas que são especialistas e estão fazendo isso há 20 ou 30 anos. O capitão do navio está nessa função há 30 anos. Foi preso na Rússia porque atacou refinarias. Ele esteve em todas as partes e está alarmado com a velocidade da mudança. E na Antártida, ele disse que era algo “imparável”. Minha resposta então foi: o que posso fazer para ajudar? A única coisa que sei fazer são filmes. Então sugeri fazer o documentário.

Está mais otimista?

Não. Agora tenho as informações – e há muitos dados. Mas esse também é um problema, a fadiga. Fora isso, há nossa incapacidade de imaginar um futuro de extinção. Nosso cérebro não é preparado para isso. Então, como podemos estar preparados para a morte do mundo como o conhecemos hoje? A questão é justamente essa, o que dizer e mostrar para alguém que não ouve? A analogia é com um trem indo em alta velocidade em direção a um muro. A questão não é afastar o muro, mas parar o trem. E a verdade é que podemos só diminuir a velocidade, de forma que o impacto seja mais leve. Essa é a imagem que mantenho na cabeça porque pensar em montanhas caindo ou ondas de 50 metros é algo impensável. Mesmo num filme não parece realista.

Quem decidiu o que mostrar?

Não houve exatamente uma decisão. Não sabíamos o que íamos filmar. A única coisa que pedi foi que não se transformasse num projeto de vaidade. Concordei que a câmera tinha de seguir alguém, e que esse alguém tinha de ser eu. Porque eu sou o espectador. E sou um ator, um homem de ação, então queria mostrar. Queríamos mostrar a beleza porque dá para perceber a fragilidade. E isso dá medo. Ouvíamos constantemente o barulho de icebergs se desprendendo. A bordo, às vezes nevava, às vezes estava de casaco, e outras, de camiseta. Era verão na Antártida, mas é a Antártida. Não era para ser assim.

Mudou hábitos depois dessa viagem?

Sim, e estou tentando fazer mais. Mas não quero entrar em detalhes porque não sou exemplo de nada. Este é um dos joguinhos que gostam de jogar, colocando a culpa na gente. E não é nossa culpa. Somos consumidores. Sim, há quem não dê a mínima, mas a maioria de nós não vai jogar lixo na praia. Tudo conta, reciclagem é importante e tal. Mas nada vai mudar realmente a não ser que sejam implementadas políticas. Por isso, o movimento da Greta Thunberg é tão importante, porque esses jovens não estão brincando e sabem para quem direcionar seus questionamentos. Eles sabem que vão sofrer na pele e não acham isso justo. E estão dispostos a virar o mundo de ponta cabeça para que as coisas mudem, porque a forma como está não funciona. E eles dizem: nós somos seus futuros consumidores e eleitores e estamos de olho.

Você esteve numa mesma reunião que a Greta, e a sala estava vazia. Muita gente a desqualifica por ser uma menina…

Estamos falando de cabeças vazias como Bolsonaro, Trump, Salvini. E alguns da extrema direita do meu país. Mas essas pessoas vão passar. E nós ficaremos. Essa é a boa notícia. Essas pessoas que estão negando o que é evidente e estão apoiando uma política criminosa, como a de Bolsonaro, com a crise na Amazônia, são também criminosas. E são essas mesmas pessoas que estão rindo de uma menina de 16 anos e insultando-a. Eles deveriam ter vergonha. Mas eles passarão, nós ficaremos. Greta ficará.

Mas podem causar muita destruição.

Claro. E estão causando. Veja a Amazônia, veja as outras políticas que não têm a ver com o clima, mas com a imigração.

As gerações mais novas precisam ser educadas, não?

Sim, mas eles têm muito mais consciência do que eu tinha aos 16. Tenho orgulho disso. E é neles que reside o meu otimismo, nos milhões que fazem greve todas as sextas. Temos de dizer aos governos: parem de me enrolar. Mudem as políticas. Não venham com palavras e promessas vazias. Mudem.

Tem esperança de que os políticos vão mudar?

Encontrei pessoas que pareciam proativas. Mas vejo os candidatos na Espanha, e ninguém está falando disso.