Há muito tempo Jeniffer andava preocupada com o James.

– De uns tempos para cá ele anda xoxo, sabe? — confessou para a irmã, pelo Whats.

Durante a pandemia, James havia mudado muito.

O James alegre e motivado de sempre, tinha dado lugar a um sujeito cabisbaixo, sem estâmina. Um comportamento que preocupava a mulher, pois o marido era dono de um quiosque desses que vendem acessórios para celular, no shopping.

– Você atende o público, James… não pode… levanta essa cabeça, homem! Assim você não vende nem água no deserto! — tentava animá-lo, sem sucesso.

James é Bolsonaro de tomar cloroquina no café da manhã.

Moram num sobrado na Mooca e, mesmo quando a cidade praticamente parou para atender à quarentena, James não ficava em casa.

Para apoiar o presidente, fazia questão de caminhar sem máscara pelas ruas do bairro.

De um tempo para cá, desanimou.

Estava deprimido com o presidente sendo atacado diariamente.

Não podia nem ver a cara do Doria que passava mal do estômago.

Bolsonarista de verdade acredita que o negócio da vacina contra o coronavírus é um plano da China para dominar o mundo

Somatizava mesmo.

Tentou explicar, no quiosque, que esse negócio de vacina era um plano dos chineses para dominar o mundo.

– De chinês eu entendo, pô! Essas capinhas, esses cabos, vocês acham que vem de onde? Sempre falo com eles!
Mentira. As capinhas e os cabos do quiosque vinham da China, mas James comprava tudo numa galeria lá do centro.

No entanto, em nome do presidente, diria qualquer coisa para convencer que a pandemia é uma farsa e a vacina vai causar um mal ainda maior.

Mas ninguém dava bola.

Semana passada, James nem abriu o quiosque.

Estava em casa, vendo televisão, quando invadiram o Capitólio americano.

Dias depois a mulher contaria, no Jornal Nacional, que aquela foi a primeira vez em meses, que o marido mostrou alguma animação.

James assistiu entusiasmado ao início da revolução.

“Coisa linda de se ver esse povo unido. É disso que o presidente precisa. De apoio! Será que ninguém percebe?”, pensava.

– O presidente não pode lutar sozinho! Senão os chineses vão tomar conta de tudo, aí é que eu quero ver. — falou para um senhor que comprou uma capinha do Palmeiras.

James decidiu que precisava dar o exemplo.

Na segunda-feira, fechou a lojinha mais cedo e foi para a rua 25 de março, comprar o que precisava.

Na terça acordou às 6 da manhã, tomou banho e se vestiu, enquanto a mulher preparava o café da manhã.

Quando James entrou na cozinha, sua companheira quase desmaiou de susto.

Ao invés da camiseta polo do quiosque, James usava um colete de couro preto sintético, com os pelos do peito todos à mostra. Em vez da calça preta de tergal, um tapete de tigre improvisado. Embaixo dos olhos, tinta verde e amarela.
E na cabeça, um par de chifres de vaca, de plástico, que comprou numa loja de fantasias.

– James do céu, você ficou doido?

O marido nem respondeu. A mulher não compreenderia.

Mas ele tinha chamado para si a missão de mostrar ao mundo que, também por aqui, o presidente sempre terá apoio.
Tinha certeza que — usando a vestimenta que ficou famosa nas fotos da invasão do Capitólio — ele seria seguido por multidões.

Seria o líder da resistência bolsonarista, sonhou.

Mesmo com a mulher tentando impedir, saiu de casa dizendo que estava indo trabalhar.

Foi preso tentando invadir a subprefeitura da Mooca.

No fim da tarde, a mulher foi buscá-lo na delegacia e voltaram para casa em silêncio.

James ligou a TV e se jogou no sofá bem na hora que a Jeniffer estava dando entrevista para o William Bonner, aquele comunista.

Antes de dormir, James tirou os chifres e botou na mesinha de cabeceira.

– Quando a chinesada invadir, aí é que eu quero ver. — falou para esposa que, preocupada com o marido, fingiu não escutar.