20/11/2024 - 7:34
A jornalista, tradutora e editora Rosa Freire D’Aguiar foi a vencedora do Livro do Ano na 66ª edição do Prêmio Jabuti, por Sempre Paris: crônica de uma cidade, seus escritores e artistas (Companhia das Letras). Os ganhadores das 22 categorias foram revelados em cerimônia realizada na noite de terça-feira, 19, no Auditório Ibirapuera, em São Paulo.
Em seu breve discurso de agradecimento, a autora de 76 anos transpareceu na voz a surpresa – estava “com taquicardia”, brincou. “Não imaginava ganhar nem o prêmio de Crônica. E agora o Livro do Ano? Oh là là!”, exclamou Rosa.
Ela então homenageou o economista Celso Furtado (1920-2004), com quem foi casada. “Amanhã, 20 de novembro, fará 20 anos que meu marido morreu. Conheci ele na França, nos casamos na França. Ele era exilado do golpe de 1964, nós moramos muitos anos lá”, disse.
O prêmio de Livro do Ano é concedido à obra melhor classificada entre as categorias dos Eixos Literatura e Não Ficção. O vencedor recebe R$ 70 mil, além de passagens e estadia para participar da Feira do Livro de Frankfurt, na Alemanha.
Minutos depois de receber o Jabuti, Rosa ainda estava eufórica quando conversou com a reportagem. “É inacreditável. Livro do Ano? É impressionante. Eu fico muito feliz [em vencer] com um livro ‘de jornalista’, de crônica”, disse ao Estadão. Em Sempre Paris, ao resgatar memórias e entrevistas do tempo em que viveu na capital francesa como profissional da notícia, a autora constrói um rico retrato sobre um período de efervescência.
Nascida no Rio de Janeiro, Rosa foi para a França aos 23 anos de idade. Lá, atuou como correspondente internacional de jornais e revistas brasileiros – e revela a preferência pela cobertura de cultura e de política internacional, tendo, inclusive, testemunhado guerras. Foi ao retornar ao Brasil que passou a se dedicar ao mercado editorial.
Ela rememora o apoio do ex-marido, com quem dividiu a vida em Paris: “Celso já estava lá quando eu cheguei, desde os anos 1960, mas eu nem sonhava em conhecê-lo. Demorou alguns anos. Ele sempre me deu muita força, incentivo. A única vez que ficou um pouco assustado foi quando eu fui cobrir a Guerra Civil do Líbano. Até eu fiquei também”, diz.
Em Sempre Paris, Rosa reúne entrevistas realizadas com grandes escritores, artistas e intelectuais, durante uma janela de cerca de 20 anos, entre o final dos anos 1970, anos 1980 e um pouco da década de 1990. A partir delas, vêm as memórias, e a autora disseca o cenário parisiense que conheceu e chamou de casa, em sua longa estadia.
“As entrevistas [que entraram para o livro] estavam guardadas em uma caixa, na França. Quando comecei a ler, percebi que aquilo era bacana. Digitei tudo, com a ajuda de um sobrinho, e enviei para a editora avaliar”, contou sobre o processo. Ela também tinha retratos feitos na época, capturados em filme, que puderam ser aproveitados.
Está no livro, por exemplo, uma entrevista inédita com o escritor e intelectual argentino Julio Cortázar. “Quando fiz a entrevista, em 1978, ele não era tão conhecido no Brasil. Depois de sua morte, em 1984, ele estourou por aqui. Tenho ali algumas entrevistas que cresceram em perspectiva histórica, com a distância no tempo”, analisa.
Outros personagens do século 20 que aparecem no livro em diálogo com Rosa são Alain Finkielkraut, Alberto Cavalcanti, Conrad Detrez, Élisabeth Badinter, Ernesto Sabato, Eugène Ionesco, Fernand Braudel, François Perroux, Françoise Giroud, Georges Simenon, Jorge Semprún, Michel Serres, Norma Bengell, Peter Brook, Raymond Aron, Roger Peyrefitte, Roland Barthes, Romain Gary, Simone Veil e Suzy Solidor.
Sempre Paris é publicado pela Companhia das Letras, casa editorial em que Rosa trabalhou sobretudo como tradutora de Muriel Barbery, Marcel Proust e Roberto Bolaño, e como editora de livros de Furtado. Em 2009, ela venceu um Jabuti pela tradução de A Elegância do Ouriço, de Barbery.
Rosa também traduziu para o português autores como Michel de Montaigne, Pierre Bourdieu e Honoré de Balzac.
Na categoria Crônica, os outros finalistas eram Crônicas exusíacas e estilhaços pelintras (Civilização Brasileira), de Luiz Antonio Simas; Gelo & gim: crônicas sobre drinques, suas receitas, cinema, música, literatura e outras misturas (Quelônio), de Daniel de Mesquita Benevides; O discreto charme da magistocracia: vícios e disfarces do Judiciário brasileiro (Todavia), de Conrado Hübner Mendes; e Os rostos que tenho (Record), de Nélida Piñon.
Dá para especular que o gênero experimenta uma sutil revalorização. O Jabuti não entregava o prêmio principal para um livro de crônicas há mais de uma década: o último foi Diálogos Impossíveis, de Luis Fernando Verissimo, na edição de 2013.
O reconhecimento vem na esteira da escolha da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), importante evento do mercado editorial, de homenagear o escritor e jornalista João do Rio, pseudônimo mais famoso de Paulo Barreto (1881-1921), muito conhecido pelas crônicas sobre o cotidiano do Rio de Janeiro.
Como repórter, João do Rio foi um dos pioneiros do jornalismo literário no Brasil, misturando reportagem, literatura, ficção e fato. A organização da Flip, ao justificar a escolha, destacou o autor como o fundador da crônica moderna.