ALA IDEOLÓGICA Sob a influência do guru Olavo de Carvalho (centro), o ex-ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo (esquerda), implodiu com a boa fama da diplomacia brasileira. O Brasil se tornou um pária mundial e com ideologia extremista. O deputado Eduardo (direita), filho do presidente é um dos líderes do grupo. (Crédito:Divulgação)

Sem fazer alarde, o ministro das Relações Exteriores, Carlos França, tem tomado uma série de medidas para varrer as marcas de fracasso nas negociações internacionais deixadas por Ernesto Araújo. Fundamentada nos ideais do guru Olavo de Carvalho, a ala ideológica do governo cometeu erros e transformou a diplomacia brasileira em pária internacional.

Bolsonaro não deu carta branca à França, mas diplomatas com trânsito no Itamaraty disseram que o presidente sentiu os efeitos danosos da errática política externa tanto no Congresso, quanto junto às lideranças mundiais que vinham colococando-o à margem das grandes discussões. “Há um movimento de limpar o olavismo do Itamaraty”, disse um diplomata à ISTOÉ. O mandatário teve que dar o braço a torcer e deixar que o trabalho de recuperação da imagem aconteça. A favor de França, está o fato de ter trabalhado na Presidência e saber como convencer o capitão.

A atitude mais imediata do ministro foi tirar os poderes que o chefe da assessoria internacional da Presidência, Filipe Martins, conquistou no ministério a partir da chegada de Ernesto Araújo. Acostumado a ser chamado por Araújo como “professor”, Martins foi um dos responsáveis pela condução dele ao Itamaraty. Os dois fizeram os cursos ministrados por Olavo. Hoje, Carlos sequer o atende.

Em outra frente, o Itamaraty agiu para deixar outro aliado de Araújo na geladeira. Depois de sair da Secretaria-Geral das Relações Exteriores, o segundo cargo mais alto da hierarquia do Itamaraty, Otávio Brandelli foi indicado por Bolsonaro para uma vaga na Organização dos Estados Americanos (OEA). Ele foi sabatinado no Senado. O nome, porém, ainda precisa ser votado no Plenário. Nos bastidores, o Itamaraty entrou em cena para pedir que os senadores atrasassem essa análise, com a intenção de passar um recado aos olavistas. A previsão é de que a votação sobre o nome de Brandelli ocorra só depois do recesso.

INTERLOCUTOR O embaixador chinês, Yang Wanming, tem facilitado diálogo entre os países (Crédito:Adriano Machado)

Ainda nesta esteira, o Itamaraty exonerou o presidente da Fundação Alexandre de Gusmão (Funag), Roberto Goidanich. Ele era seguidor de Olavo, e usava a instituição para difundir as ideias isolacionistas. A Funag é responsável por organizar estudos e debates do Itamaraty. Nas mãos de Goidanich, o órgão virou palco para defesa de pautas negacionistas e ultradireitistas, segundo integrantes do Ministério das Relações Exteriores.

Parceria com a China

A mais importante medida para descolar da influência olavista e recuperar a reputação do Itamaraty é restabelecer o contato diplomático com a China, estremecido na gestão de Ernesto Araújo. Durante a negociação de insumos para a produção de vacinas contra a Covid, Araújo chegou a chamar a doença de “comunavírus”, em alusão ao fato de a pandemia ter começado na China. França, no entanto, tem uma boa interlocução com os chineses e sua escolha foi muito bem vista com ministro de Relações Exteriores, Wang Yi. Desde o ínicio, o ministro chinês tem reafirmado que existe uma relação estratégica de longo prazo e que identifica vantagens complementares nos negócios com o Brasil. Em resumo, todos ganham. No Brasil, o embaixador Yang Wanming também tem sido um parceiro de França. Sempre que necessário ele tem ajudado na relação com o país asiático, inclusive desfazendo equívocos do governo brasileiro relacionados à vacina Coronavac. O advogado e especialista em comércio exterior, Daniel Toledo, lembra que Araújo baseou toda a sua atuação no fortalecimento da relação com ex-presidente americano Donald Trump. “Não podemos ter relacionamentos pessoais ou fecharemos portas”, afirmou.

Além da política externa, o Itamaraty tem o objetivo de resgatar o prestígio no Congresso, abrindo mais o diálogo com a Comissão de Relações Exteriores, presidida pela senadora Kátia Abreu (PP-TO). A senadora foi alvo de ataques de Ernesto Araújo esse ano. França já mostrou disposição para se reunir com Kátia para retomar a relação. É preciso reconhecer o esforço que França tem feito. Ainda há muita dificuldade para o Brasil voltar a ser respeitado, inclusive no Mercosul, mas o Itamaraty já é avaliado como um setor mais profissional e menos político. Se livrar do estigma de olavista é um alívio.