Ítalo Ferreira, primeiro campeão olímpico do surfe, começou a domar as ondas usando como prancha uma tampa de isopor da caixa térmica em que seu pai guardava os peixes que vendia.

O atleta de 27 anos também conquistou a primeira medalha de ouro do Brasil nos Jogos de Tóquio-2020 nesta terça-feira, nas ondas de Chiba, a 100 quilômetros da capital japonesa, que aparentemente não tinha nada para intimidá-lo.

As ondas de Chiba são menores, com vento e às vezes “mais lisas” do que as de outros locais de competição e semelhantes às de Baía Formosa, sua cidade natal no Rio Grande do Norte, disse Ítalo em entrevista à AFP antes dos Jogos. “Para mim não muda muito, já tenho experiência e malícia para surfar nessas condições”, afirmou.

Desde a infância, as pranchas melhoraram em qualidade e os troféus se acumularam.

“Um dia um primo me deu uma prancha quebrada, mas era suficiente e melhor do que isopor. Aí meu pai me comprou uma prancha, ele pagou com um peixe e o resto em dinheiro. A partir daí comecei a surfar um pouco mais”, lembra o surfista.

“Viemos de lugares onde temos que nos superar. Cada vitória dá muita garra, muita perseverança, isso nos torna mais profissionais, nos dá mais vontade de vencer”, disse ele.

Até a adolescência, ele via o que agora é sua profissão como um hobby. Mas passou a disputar torneios locais, aos quais às vezes entrava pedindo dinheiro em mercados e farmácias, e Luiz “Pinga” Campos, renomado descobridor de surfistas, notou seu talento.

“Foi quando percebi que poderia ir mais longe se me dedicasse totalmente e, assim, cada vez que vencesse um campeonato, poderia ajudar meus pais”, lembrou Ítalo.

As expectativas se confirmaram: aos 10 anos, venceu um torneio local, aos 14 se tornou bicampeão mundial Pro Junior, em 2014 foi campeão brasileiro, em 2015 foi admitido na World Surf League (WSL) e em 2019 se tornou o terceiro brasileiro a conquistar o título mundial, depois de Gabriel Medina (2014 e 2018) e Adriano de Souza (2015).

– Novos horizontes –

A inclusão do surfe como uma das novas modalidades em Tóquio abriu novos horizontes para ele, após a paralisação que a pandemia impôs no ano passado em todas as competições.

“Que bom que foi agora (a estreia do surfe), porque posso participar e representar o Brasil com outros atletas. Espero que seja incrível e possamos dar um show”, disse Ítalo sobre a expectativa para os Jogos.

“Estou ansioso pela oportunidade de competir nas Olimpíadas e mostrar meus talentos”, afirmou o atleta, que mostrou confiança de sobra.

“Me sinto um dos favoritos, vencer é uma coisa que venho trabalhando e um desejo (…), de certa forma pode mudar a minha vida, é uma coisa que ninguém conquistou ainda e que seria histórico”, disse ele à AFP.

Esta geração de surfistas brasileiros campeões deu visibilidade ao esporte, em um país dominado pelo futebol.

O próprio Ítalo jogava bola quando criança, mas acabou brigando quando sofreu uma falta. “No surfe você desconta na onda, não precisa bater em outra pessoa”, brincou.

Após cada torneio, Ferreira volta à Baía Formosa, para partilhar as suas alegrias com a família e amigos. E desta vez não será diferente. “Vou me divertir, que é a parte mais fácil do surfe”.

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