Entidade europeia de direitos civis acusa governo da Itália de sabotar o Estado de direito em quase todos os aspectos. Situação também é crítica em países como Hungria, Croácia, Bulgária, Eslováquia e Romênia.O governo da Itália sabota sistematicamente o Estado de direito através da imposição de mudanças no Judiciário e de uma "forte intolerância às críticas da imprensa", o que torna o país um exemplo emblemático do aprofundamento da "recessão democrática" na Europa.
A conclusão é de um relatório elaborado pela da União das Liberdades Civis pela Europa, que também aponta ameaças à democracia na Hungria, Romênia, Bulgária, Eslováquia e Croácia.
A ONG, conhecida como Liberties ("Liberdades"), formada por especialistas em direitos humanos e comunicações, atua como um órgão de fiscalização "que protege os direitos humanos de todos na União Europeia (UE)", segundo afirma o portal de internet da entidade. O grupo, registrado em Berlim, possui uma rede de membros em Bruxelas e em 18 países do bloco.
O relatório de 2025 – compilado por 43 organizações de direitos humanos em 21 Estados-membros da UE – destaca sistemas judiciais sujeitos a manipulação política, falhas na aplicação da lei contra corrupção, uso excessivo de procedimentos legislativos rápidos, assédio a jornalistas e maiores restrições a protestos pacíficos.
"Desmanteladores" do Estado de direito
"A categoria mais preocupante de países" é a dos "desmanteladores", disse o Viktor Kazai, especialista da Liberties citado pelo jornal britânico The Guardian, se referindo aos governos no Leste Europeu que vem adotando medidas para sabotar o Estado de Direito.
A ONG destacou a Itália como um dos cinco países que sabotam de maneira deliberada o Estado de direito "em quase todos os aspectos".
O governo da primeira-ministra ultradireitista Giorgia Meloni agiu para dar poderes ilimitados ao Ministério da Justiça sobre os promotores, o que pode aumentar o controle político sobre o Judiciário.
A ONG alerta para "níveis sem precedentes de interferência no serviço público de imprensa" na Itália, como o cancelamento da leitura do manifesto antifascista do escritor Antonio Scurati em um talk show televisivo e a abertura de um processo disciplinar contra o apresentador do programa.
Entre as outras nações do bloco capazes de gerar uma "recessão democrática" está a Hungria, onde os pesquisadores registraram uma regressão significativa no Estado de direito em 2024 em meio a um regime descrito como uma "autocracia eleitoral".
Desafios em países do Leste Europeu
O governo do premiê ultradireitista húngaro Viktor Orban aumenta a pressão sobre as ONGs e a imprensa, o que se agravou desde a criação do chamado Escritório de Proteção da Soberania da Hungria, que possui amplos poderes para investigar indivíduos ativos na vida pública.
Na Croácia, a integridade do sistema de Justiça vem sofrendo abalos desde a promoção de Ivan Turudić – um juiz com laços estreitos com o partido governante União Democrática Croata (HSZ) – ao cargo de procurador-geral do Estado. O Ministério Público Europeu alertou para "desafios sistémicos à defesa do Estado de direito na Croácia", depois de o gabinete de Turudić ter aparentemente contestado uma investigação sobre uma suspeita de fraude contra o orçamento da UE.
No caso da Bulgária, o relatório analisou investigações anticorrupção lançadas contra figuras proeminentes da oposição enquanto eram mantidos esquemas corruptos de longa data, como o que acarreta no despejo de resíduos de construção no município de Sófia.
Na Eslováquia, a ONG alerta sobre inúmeras mudanças introduzidas pelo governo do ultranacionalista Robert Fico, incluindo a abolição do gabinete do promotor central e um projeto de lei que criminaliza agentes estrangeiros ao estilo da Rússia, que exigiria que as ONGs ostentassem o rótulo estigmatizante de "organização apoiada por estrangeiros" caso recebessem financiamentos de fora do país de mais de 5.000 euros (R$ 31 mil).
As últimas eleições presidenciais na Romênia revelaram como a rede social TikTok seria capaz de fazer com que um ultranacionalista pouco conhecido chegasse à vitória, enquanto um projeto de lei para garantir a independência do serviço público de rádio e TV definha no Parlamento desde 2021.
"Democracias modelo" não estão imunes
Os autores do relatório também alertam que democracias consideradas exemplares, como as da Alemanha e da França, não estão imunes a ameaças.
A Alemanha recebeu elogios por possuir regras mais fortes projetadas para combater as chamadas "portas giratórias", onde altos funcionários assumem empregos em setores sobre os quais eles anteriormente atuavam como reguladores.
Os pesquisadores, porém, apontam reações "excessivas e desproporcionais" das autoridades alemãs a protestos pró-Palestina, incluindo censura. Em abril de 2024, a polícia encerrou o que seria uma conferência palestina de três dias em Berlim, temendo que isso pudesse servir como uma "plataforma para visões antissemitas".
Na França, pesquisadores alertaram sobre o uso cada vez maior de um procedimento do governo chamado artigo 49.3 para aprovar decisões sem votação, além de restrições crescentes à liberdade de expressão introduzidas antes dos Jogos Olímpicos de Paris ou para conter a interferência estrangeira.
ONG pede ações decisivas
"A recessão democrática da Europa se aprofundou em 2024", diz a Liberties em nota. "Sem uma ação decisiva, a UE corre o risco de uma maior erosão democrática", concluiu o relatório.
A ONG deu início às avaliações anuais em 2019 acompanhando os relatórios sobre o Estado de direito na Europa elaborados pela Comissão Europeia, que visam servir como uma verificação da "saúde da democracia" nos Estados-membros da UE.
Viktor Kazai, afirma que os relatórios anuais evidenciaram "a persistência alarmante de violações do Estado de Direito em toda a União Europeia". "Todos os aspectos fundamentais do Estado de Direito enfrentaram problemas cada vez mais graves nos últimos anos", observou. Segundo Kazai, as tentativas da UE de reverter esse declínio foram "decepcionantemente limitadas".
A Liberties exorta a Comissão Europeia a reforçar o monitoramento no bloco europeu, que deve ser vinculando a manutenção da democracia à liberação de fundos da UE, bem como aumentar a eficiência de ações legais contra violações do Estado de direito.
rc (ots)