Eles ameaçaram dissolvê-la em ácido. Mas Debora Cerreoni não se intimidou e seu testemunho foi decisivo para expor um novo clã mafioso liderado pela família Casamonica em Roma.

Os Casamonica apareceram nas manchetes da imprensa em 2015 durante o funeral na capital italiana do “tio Vittorio”, cujo caixão percorreu as ruas em um carro fúnebre dourado puxado por cavalos.

Um helicóptero lançou pétalas de rosa e cartazes espalhados na área da igreja em que aconteceu o funeral o apresentaram como o “rei de Roma”, enquanto os convidados eram recepcionados com a trilha sonora do filme “O Poderoso Chefão”.

Apesar das declarações de alguns membros da família, registradas em conversas grampeadas, de que teriam condições de desafiar os clãs mafiosos tradicionais, os Casamonica foram considerados por muito tempo um grupo criminoso, violento, mas local.

Mas tudo mudou esta semana, quando um tribunal de Roma classificou a família como uma associação mafiosa e condenou cinco de seus integrantes a penas de até 30 anos de prisão por tráfico de drogas, extorsão e agiotagem.

“É um veredicto muito importante porque destrói a ilusão de que não há máfia em Roma”, explica à AFP Nando Della Chiesa, professor de Sociologia especializado em crime organizado da Universidade de Milão.

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“A cidade tem dificuldades para aceitar o fato de que não há apenas elementos de poderosas máfias calabresa (‘Ndrangheta) e napolitana (Camorra), mas que também existe uma máfia local”, completa Della Chiesa.

Os Casamonica, que têm suas raízes na comunidade cigana, chegaram a Roma em 1939 procedentes da região de Abruzzo.

No momento da morte do patriarca Vittorio em 2015, seus descendentes eram conhecidos pela polícia por suas atividades como agiotas impiedosos, com uma tendência por roupas chamativas e bijuterias.

Vittorio aprendeu junto com um poderoso amigo do submundo de Roma nos anos 70, Enrico Nicoletti, apelidado de “caixa” da gangue Magliana, grupo que controlava o tráfico de drogas na capital.

– Casamento com o clã –

Assim como Nicoletti, o “tio Vittorio” tinha contatos nas altas esferas, “na polícia, no Vaticano (…) Entrava em todos os lugares, conseguia tudo o que queria, afirmou uma testemunha.

Depois de fazer fortuna, a família construiu mansões com piscinas adornadas com mármore, móveis dourados e grandes estátuas de cavalos, uma referência às origens como comerciantes de cavalos.

Depois de estabelecer vínculos com traficantes colombianos, eles entraram no tráfico de cocaína.

Durante um grande golpe em 2012, 32 membros do clã foram presos e bens avaliados em milhões de euros foram apreendidos, o que chamou a atenção das autoridades.

Em 2018, a prefeita de Roma, Virginia Raggi, ordenou a destruição de oito imóveis construídos sem permissão que pertenciam aos Casamonica, decorados com tronos, falsos afrescos e leões.

“A luta vai continuar”, prometeu Raggi esta semana.


Os Casamonica não têm líder, mas funcionam como um “arquipélago” de ilhas unidas por casamentos arranjados, segundo um relatório do Observatório do Crime Organizado (CROSS).

As mulheres têm um papel importante, mas não são autorizadas a trabalhar fora de casa. As adolescentes são retiradas do sistema escolar após a primeira menstruação.

As relações amorosas com mulheres não ciganas são consideradas perigosas, segundo o relatório.

– Testemunhar contra a família –

E foi justamente uma destas mulheres, Debora Cerreoni, ex-esposa de Massimiliano Casamonica, que aceitou testemunhar contra a antiga família depois de ser controlada, humilhada e ameaçada durante anos.

“Destruíram minha vida (…) Não me casei apenas com Massimiliano, e sim com todo o clã”, declarou no ano passado Cerreoni ao tribunal.

Após uma tentativa de fuga, “ameaçaram me dissolver em ácido”, afirmou.

Por fim, ela conseguiu escapar e seu depoimento foi crucial para ajudar os investigadores a compreender o mundo dos Casamonica e, em particular, seu idioma, uma mistura de cigano, dialeto de Abruzzo e gíria romana.

“O impacto deste veredicto no clã ainda não está claro, mas uma coisa é certa: eles não gozam mais da impunidade da qual podem ter sido beneficiados antes”, afirma Nando Dalla Chiesa


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