16/02/2017 - 10:42
Vinte e cinco anos depois da operação judicial “Mãos Limpas”, que acabou com uma geração de políticos corruptos, a Itália continua lutando contra seus velhos demônios.
A “Mãos Limpas” (Mani Pulite), que serve de base para a brasileira “Lava Jato”, começou em 17 de fevereiro de 1992, quando um procurador de Milão, Antonio Di Pietro, ordenou a prisão do empresário socialista Mario Chiesa.
Foi uma longa série de prisões de importantes líderes e empresários de todas as tendências e ideologias, em particular os da Democracia Cristã e do Partido Socialista, acusados de formar uma sofisticada rede de subornos e corrupção.
“Durante a ‘Mãos Limpas’, a opinião pública estava convencida de que se tratava de uma guerra entre policiais e ladrões. Hoje em dia, as pessoas têm a sensação de estar diante de uma guerra entre bandos de ladrões”, resumiu, em uma entrevista à AFP, o famoso juiz anticorrupção Antonio Di Pietro.
Sobre a “Mani Pulite” foram escritos artigos, ensaios e teses.
A operação também inspirou juízes e promotores de todo o mundo, depois de estremecer o sistema político e revelar um dos maiores escândalos da história recente da Itália, mais conhecido como “Tangentopoli”, através do qual se descobriu o complexo sistema de pagamentos milionários de propinas por parte de empresários a políticos.
“Era um sistema de corrupção que garantia a uma determinada lista de empresas a participação nas licitações de obras públicas. Se você não estivesse nela, estava fora”, explica Di Pietro, que chegou a marcar todas as cédulas envolvidas em uma falsa negociação.
Decapitada toda uma classe política, forçado ao exílio o primeiro-ministro socialista Bettino Craxi, a outrora Primeira República implodiu, abrindo caminho, em 1994, para a chegada ao poder do magnata das comunicações, Silvio Berlusconi.
– Ainda mais escândalos –
Apesar da enorme repercussão da “Mani Pulite” há 25 anos, a Itália continua sacudida pelos escândalos de corrupção, como o que atingiu recentemente empresários e funcionários públicos de Roma (Mafia Capitale), passando pelas propinas distribuídas para grandes obras, entre elas a construção da represa do projeto Moisés de Veneza ou as infraestruturas para a Exposição Universal em Milão, em 2015.
Segundo um recente relatório da Direção Nacional Antimáfia, o fenômeno aumentou em relação à década de 1990 e, no total, 904 pessoas foram denunciadas por subornos ou extorsão no primeiro semestre de 2016 em comparação com as 841 do semestre anterior.
“A situação não é fantástica, apesar de ter melhorado nos últimos anos”, comenta Virginio Carnevali, presidente da Transparência Internacional, uma ONG que luta contra a corrupção.
“Houve uma mudança de tendência, mas ainda resta muito por fazer. A corrupção hoje é a arma preferida do crime organizado, que mata menos porque é mais fácil subornar que disparar”, destacou.
O relatório de 2016 sobre corrupção da Transparência Internacional situa a Itália no 60º lugar, com 47 pontos, em uma lista de 176 países.
Uma posição melhor que a de 2015, mas entre os piores da Europa, diante apenas da Grécia e da Bulgária.
– Transparência como arma –
Para fazer frente a esse fenômeno, há quatro anos foi criada a Autoridade Nacional contra Corrupção (Anac).
Dirigida pelo juiz Raffaele Cantone, a entidade acredita mais nas virtudes de um sistema que garanta a transparência do que nos processos penais.
“Os países que ocupam os primeiros lugares na lista elaborada pela Transparência Internacional (Dinamarca e Nova Zelândia com 90 pontos) não são países que usam métodos repressivos draconianos, e sim que incentivam a colaboração dos indivíduos”, explicou o magistrado à AFP.
A Itália, além disso, paga o preço de uma legislação reformada por Berlusconi, que, devido aos inúmeros processos contra ele, suavizou as leis contra orçamentos falsos e subornos e limitou os delitos financeiros.
A corrupção termina por pesar na economia na Itália, se aninha na administração pública, no sistema de licitações e conta com a cumplicidade de uma máquina estatal emperrada e ineficiente.
Segundo algumas organizações, custa cerca de 60 milhões de euros, cifra que, segundo Cantone, provavelmente é muito mais alta.
A corrupção como sistema de vida se alimenta, entre outras coisas, da desigualdade social, afirma a Transparência Internacional, que também trabalha por uma mudança de mentalidade e contra a decepção que acaba tomando conta das pessoas.
É uma luta contra o princípio generalizado de que “se todo mundo se der bem, eu também me dou”, resume Di Pietro, que, de procurador, virou parlamentar e agora atua como advogado.