A gente costuma acreditar que certos lugares bastam uma só ida. Visitou, conheceu, riscou da lista. Segue o próximo. Mas voltar a Itacaré, quase vinte anos depois, foi o oposto disso: não encontrei o que já sabia, encontrei o que só poderia ver agora. E alguns destinos não mudam, mas parecem amadurecer junto com a gente. E diante da força da Mata Atlântica, do mar de azul sem fim e da cidade que pulsa em identidade e mistura, percebi que o Brasil tem paisagens que só se revelam por inteiro para quem decide voltar.
Cravada no litoral entre Ilhéus e Camamu, Itacaré pertence a um dos trechos mais preservados da costa brasileira, um encontro raro entre floresta e mar. O aeroporto mais próximo é o de Ilhéus, a cerca de 70 km dali. E o mais legal foi seguir estrada ao lado de Ramon, morador da região, ouvindo as histórias do cacau e dos coronéis que não se acham no Google, com o charme e compasso sereno do sotaque baiano, que parecia música para quem sabe escutar.
Cacau e chocolate
A história do cacau em Itacaré atravessa séculos: começou com as enormes fazendas do ciclo cacaueiro que viveu o apogeu dos coronéis e das exportações pelo porto local, mas que hoje encontra novo fôlego em lavouras menores.
Seguindo com Ramon, cheguei a Taboquinhas, distrito rural a cerca de 30 km do centro de Itacaré. A visita à Fazenda Taboquinhas foi uma das experiências mais lindas que vivi e que me levou a conhecer o Sr. Oswaldo, produtor de cacau orgânico no sistema de agrofloresta, que respeita o ciclo da natureza e preserva a diversidade vegetal da região. É ali, nesse terreno simples mas repleto de histórias que dariam um livro, que crescem os grãos selecionados que abasteceram marcas como a Dengo Chocolates por anos. Ele planta, estuda o processo, seleciona o cacau, retira o mel da fruta (que parece um suco dos deuses), e das sementes escolhidas encaminha para Dona Laura, sua esposa, que produz o chocolate ali mesmo. A degustação é uma aula viva sobre tempo, terra e afeto. Uma delícia de chocolate.
O Barracuda e seu Cioba
Entre as boas surpresas de Itacaré está o cuidado com que alguns lugares souberam crescer, oferecendo experiências que respeitam o entorno e valorizam o que a região tem de mais autêntico. O Barracuda, com suas duas unidades — uma pousada boutique no alto da vila e um conjunto de villas imersas na mata, à beira-mar — é um desses exemplos.
O primeiro, com vista para a Praia da Concha, é discreto, acolhedor e bem integrado ao ritmo local: está a poucos passos do burburinho da cidade, mas oferece silêncio e conforto para descansar com vista para o pôr do sol, juntamente com o melhor arroz de lagosta que já comi na vida em seu restaurante: o Oiti. Já o Barracuda Villas, mais afastado, ocupa uma faixa praticamente intocada de costa, com bangalôs e casas de arquitetura orgânica, piscina de frente para o mar e uma vista, ahhh…de tirar o fôlego. A proposta ali é outra: desacelerar, dormir com o som das ondas e se conectar à natureza sem abrir mão do conforto.
Foi através deles que conheci o Cioba, barco próprio do hotel, que me levou para navegar nas águas do Rio de Contas, e atravessar manguezais, descobrir cachoeiras entre a Mata Atlântica e voltar para um inesquecível peixe na brasa com banana da terra, preparado e servido bem no horário do pôr do sol.
O surfe e o remo
Desde os anos 1980, quando os primeiros surfistas chegaram por ali atraídos pelas praias selvagens e pelas ondas perfeitas, a cidade foi ganhando fama como um dos principais destinos do surfe no Brasil. A geografia ajuda: são praias viradas para o Atlântico, com formações rochosas, enseadas e fundos de areia que garantem boa constância de swell o ano inteiro. Mas o que era apenas um refúgio alternativo de surfistas se transformou, com o tempo, em um polo de formação de atletas e de projetos culturais e de sustentabilidade.
O Instituto Yandê, por exemplo, idealizado por Juliana Ghioto – que inclusive está à frente na administração dos hoteis Barracuda – se volta entre seus projetos, para o desenvolvimento de crianças e adolescentes através do esporte e da educação, e ajudam a formar não só atletas, mas cidadãos conectados ao território, apoiando assim o Canoagem Sustentável, treinando atletas que hoje representam o Brasil em competições internacionais, levando o nome de Itacaré para o mundo para mostrar que mais do que um destino turístico, a cidade é um celeiro de talentos e de histórias inspiradoras.