A transição da ditadura para a democracia na Argentina trouxe profundas mudanças políticas e sociais. “O Sequestro”, filme protagonizado por Rodrigo de la Serna, explora esses desafios através da história de Julio Levy, que retorna a Buenos Aires após anos de exílio.
Julio, filho de um banqueiro, mal retorna ao seu país e já se depara com o sequestro de seu irmão em plena luz do dia. O filme desdobra-se em um thriller onde os sequestradores têm ligações com figuras políticas e militares, pintando um retrato sombrio da transição democrática do país.
Entenda o porquê que “O Sequestro” é Relevante na Atualidade
Após estrear em festivais internacionais como Veneza e Toronto, “O Sequestro” também participa da 47ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e chega ao streaming Paramount+ no dia 3 de novembro. A obra é uma adaptação do livro “El Salto de Papá” de Martín Sivak, que narra a história de seu pai, Jorge Sivak, um advogado que negociou a libertação de seu irmão.
A diretora Daniela Goggi, que adaptou o roteiro em parceria com Andrea Garrote, enfatiza que o filme toma liberdades criativas significativas em relação ao livro, transformando-o em um thriller mais acessível ao público amplo.
Os Desafios da Transição Democrática
Enquanto o livro de Martín Sivak abarca 30 anos da história familiar, a narrativa do filme foca intensamente no ano de 1985. Este período é crucial para retratar a Argentina na sua luta para estabilizar a recém-conquistada democracia e exorcizar as sombras da ditadura.
A crise econômica que obrigou a troca de moeda para controlar a inflação ilustra um dos diversos desafios enfrentados pelo país. O filme captura essa tensão histórica e as dores associadas, refletindo a complexa realidade de uma sociedade em transformação.
Julio Levy: Um Espelho de Sua Geração
Para a diretora Goggi, Julio simboliza uma geração que foi exilada e que voltou ao país em busca de reconstrução tanto pessoal quanto nacional. Esta geração carrega a culpa de ter sobrevivido aos anos de repressão, tornando sua relação com o passado extremamente complicada.
Rodrigo de la Serna, conhecido por seu papel em “La Casa de Papel”, relata que essa foi também a geração de seus pais. Ele e a diretora viveram esses anos como crianças, e o filme serviu para resgatar emoções e memórias daquele período.
A Complexidade do Retorno
Para Julio, voltar ao país representa uma ilusão, pois o exílio impôs uma suspensão forçada de sua vida. O sequestro de seu irmão intensifica essa sensação de incerteza e crise pessoal. De la Serna explica que o título do filme tem uma conotação dupla: o sequestro literal e o sequestro simbólico da vida de Julio pela conjuntura social e familiar.
Reflexões Políticas Atuais
A entrevista com de la Serna ocorreu pouco antes das eleições argentinas, onde a política continua a ser um tema quente e divisivo. Ele destaca que, independentemente do resultado eleitoral, a conquista do estado democrático de direito deve ser mantida e valorizada.
“Enquanto nos ativermos ao jogo democrático, está tudo bem,” afirma. Ele acredita que a sociedade argentina tem um consenso claro contra o retorno à violência do passado. “O jogo democrático é assim, são as regras do jogo e, ganhe quem ganhe, teremos que aceitar — para o bem e para o mal.”
“O Sequestro” não é apenas um thriller envolvente; é uma reflexão profunda sobre a história recente da Argentina e os desafios contínuos da consolidação democrática. O filme remete-nos às complexas realidades enfrentadas durante essa transição e nos faz questionar o preço da liberdade e da democracia.