A ferocidade do fogo acuou Miranda, uma onça-pintada com as patas queimadas, infestadas por larvas e mancando. Ela vagou cerca de 100 quilômetros no Pantanal do Mato Grosso do Sul, fugindo dos incêndios de agosto. Imagens sugerem que Miranda percorreu essa distância até ser resgatada em uma manilha, quase sem forças.
Estas tragédias são comuns no Pantanal, onde o fogo, intensificado pelas ações humanas e condições climáticas, devasta a biodiversidade. Em 2024, as queimadas aumentaram em 76% em relação ao mesmo período de 2020, ameaçando a fauna de um dos biomas mais exuberantes do Brasil.
No Pantanal, o fogo chega com o rugido do vento e deixam um rastro de silêncio e morte. As áreas queimadas transformam-se em campos de cinzas, onde é raro ouvir ou avistar animais logo após os incêndios. As populações de várias espécies ainda não se recuperaram dos incêndios recordes de 2020, e o sofrimento se repete.
O impacto das queimadas em espécies icônicas
O martírio dos animais no Pantanal continua, com resgates e histórias comoventes. Paula Helena Santa Rita, coordenadora do Grupo de Resgate Técnico Animal Cerrado Pantanal (Gretap-MS) e professora da Universidade Católica Dom Bosco, destaca que algumas espécies, como a onça-pintada, conseguem fugir, mas outras, especialmente os mais lentos ou filhotes, não têm chance.
O resgate de Miranda mobilizou homens e mulheres do Gretap, Ibama e da Polícia Militar Ambiental do Mato Grosso do Sul. Além dela, outro macho adulto de onça, Antã, foi resgatado em Passo do Lontra. Ambos estão em reabilitação no Centro de Reabilitação de Animais Silvestres (Cras) em Campo Grande.
Outros animais também são resgatados, como tucanos, cobras e até filhotes de tamanduá, símbolo do Pantanal. As queimadas afetam desproporcionalmente tamanduás devido ao pelo extremamente inflamável, levando a uma tragédia quase inimaginável. A veterinária Flavia Miranda frisa que o sofrimento é tamanho que mesmo equipes treinadas ficam abaladas emocionalmente.
O que está sendo feito para proteger a fauna do Pantanal?
Brigadistas da Brigada Alto Pantanal (BAP), do Instituto Homem Pantaneiro, com apoio do projeto GEF Terrestre, têm aberto rotas de fuga para animais e áreas seguras. No entanto, muitos bichos não conseguem escapar. Animais menores, lentos e filhotes são sempre os mais vulneráveis.
Manoel Garcia da Silva, coordenador da BAP, lamenta a destruição causada pelo fogo. O solo de turfa do Pantanal se torna uma armadilha mortal após o incêndio, queimando por dias e matando animais que pisam em brasas ocultas sob as cinzas. Ele ressalta o impacto psicológico nos brigadistas que resgatam animais feridos.
As araras-azuis, outro símbolo do Pantanal, também sofreram duramente. Neiva Guedes, presidente do Instituto Arara Azul, destaca que os incêndios de agosto destruíram áreas de reprodução e dormitório das araras. O fogo leva fome, destruição de ninhos, aumento da predação e doenças, impactando duramente a população dessas aves.
Qual o futuro do Pantanal e suas espécies?
Um estudo da Embrapa Pantanal estimou que, em 2020, 17 milhões de vertebrados morreram devido aos incêndios. Christian Berlinck, do ICMBio, alerta que pode ser impossível saber o impacto real dos incêndios deste ano. O Pantanal Norte do Mato Grosso, por exemplo, não foi tão atingido como o Sul, mas ainda assim não houve recuperação na abundância de espécies após os incêndios de 2020.
As populações animais podem levar anos ou até décadas para se recuperarem, se as condições forem favoráveis. Caso contrário, pode não haver recuperação. Em meio a cinzas e destruição, brigadistas continuam sua luta. Arilson Borges, integrante da BAP, lamenta: “A coisa mais triste é o depois do fogo. É uma terra que a gente conhece, sabia como era e vê esse cenário de guerra, de devastação.”
É crucial que a sociedade tome consciência e pare de queimar o Pantanal. Com ações rápidas e efetivas, ainda há esperança de salvar este ecossistema único e as espécies que o habitam.