Vocalista da banda Detonautas, Tico Santta Cruz pode ter sentido na pele a reputação de “polêmico” nos anos 2000. Sua postura em 2024, no entanto, revela que o cantor está centrado em expressar seus pontos de vista, ainda que enfáticos, de maneira mais serena.

Prestes a completar 47 anos, Tico conversou com o IstoÉ Gente Como a Gente — projeto do site IstoÉ Gente que aborda o lado pessoal e espontâneo de personalidades brasileiras — sobre temas como o uso de drogas em diversos meios e sobre por que escolheu investir financeiramente em cannabis fora do Brasil. Ele também revelou como a carreira de músico afetou seu convívio familiar, falou sobre o “preconceito” que tinha com artistas de outros gêneros no início da fama e rebateu críticas ao Candomblé, sua religião; além de desaprovar a desinformação que permeia críticos de leis de incentivo à cultura, como a Lei Rouanet. 

Voz de sucessos como “Olhos certos” e “Quando o sol se for”, o cantor ainda foi honesto ao dizer que, se pudesse voltar no tempo, “com certeza” mudaria algumas coisas em sua vida — principalmente o modo como reagiu a certas situações. 

“Eu sou muito intenso. Reconheço a minha intensidade e sei que ela me prejudicou em vários momentos. Se eu não entender isso como uma coisa que eu precisaria mudar para poder ter outros resultados, eu dificilmente também conseguiria ter a clareza para poder, hoje, fazer os movimentos que eu estou fazendo”, avalia. 

Acompanhe a entrevista completa:

IstoÉ Gente: Como é sair em turnê agora, com ‘Detonautas Tour 20 Anos – Acústico’, em comparação com as primeiras turnês da banda? 

Tico Santta Cruz:  Quando você está começando um trabalho e ainda não tem experiência para entender direito o que você está fazendo, as coisas são bem diferentes, você lida de maneira diferente com as novidades.

No início, tudo era uma grande festa. A gente estava ali só pela festa, pelo show, pela diversão, pela loucura. A gente não entendia exatamente que a gente estava fazendo um trabalho que exige, obviamente, os cuidados de qualquer empresa ou de qualquer instituição que está atuando dentro de um mercado.

E hoje a gente entende que tem comportamento, que tem toda a questão do estilo de vida, mas também tem uma série de outras questões relacionadas ao business. A forma como você conduz a turnê, o que você produz, quem está trabalhando com você, os departamentos que envolvem toda essa estruturação.

À medida que você vai amadurecendo, você enxerga diferente a sua relação com o público. A sua comunicação vai mudando. Eu acho que muda tudo, na verdade. O início é uma grande festa, um grande ‘oba-oba’. E depois, se você for capaz de amadurecer e entender qual é o lugar de cada coisa, você vai conseguindo se estruturar. E acho que esse talvez seja um grande segredo de longevidade.

O público também mudou?

TSC: Sem dúvida. No começo, você tem uma, duas músicas que estão estouradas, que fazem muito sucesso.

A gente está passando por uma transição tecnológica também, de comunicação. Quando a gente começou, não tinha as redes sociais que tem hoje. Atualmente, é uma outra maneira, outra dinâmica. Então você sente, também, que a forma de se comunicar com o público mudou. 

Mas a gente sente que o público hoje tem também uma presença maior. A gente tem muitas músicas cantadas. O comportamento é diferente também por parte do público. A gente tem uma consistência maior em relação ao show. Se antes a gente tocava dois hits e depois o show ficava meio ‘voando’, hoje em dia as pessoas cantam do início até o fim. Então, é diferente. 

Assim como muitas bandas que fizeram sucesso nos anos 1990 e 2000, os Detonautas já pensaram em se separar?

TSC: Não, a gente nunca pensou sobre isso, na verdade. O Skank, o Sepultura e o Natiruts [bandas que recentemente anunciaram o fim das atividades] são bandas dos anos 1990, que têm uma história, uma trajetória brilhante. Mas eu acho que os artistas entendem qual é o momento. A dinâmica interna da banda pode determinar se está valendo a pena continuar ou não.

A gente está muito no começo de uma fase que traz ao Detonautas também uma outra percepção de tudo que a gente está vivendo. Não é nem cogitado na nossa cabeça esse tipo de decisão de terminar uma banda. Eu acho que a gente é muito jovem ainda, como banda. 

Críticas à sua religião, o Candomblé, motivaram seus períodos de hiato nas redes sociais?

Tico Santta Cruz fala sobre uso de drogas, avalia críticas ao Candomblé e à Lei Rouanet e comenta possível fim do Detonautas
Tico Santta Cruz (Crédito:Instagram)

TSC: Na verdade, eu tenho atuado pouco em redes sociais, tirando a relação com o meu trabalho. É uma questão de saúde mental, mesmo. Acho que a rede social é um espaço que você tem que ser muito cuidadoso com que tipo de assunto você vai se envolver.

Eu sou uma pessoa muito intensa, então durante muitos anos eu usei [as redes sociais] de forma desordenada por uma questão interna minha, e isso começou a fazer muito mal para mim, para a minha família, para o meu trabalho, para as coisas com as quais eu me relacionava.

Eu, como artista, não posso abrir mão da rede social, porque tem uma interação com o público e com o desenvolvimento da comunicação do que eu faço para o público. Mas em relação às minhas questões pessoais ou privadas, eu evito colocar alguma coisa. Entendi que não faz bem para a minha cabeça, não faz bem para a minha saúde.

Essa coisa da religião é uma coisa que eu já tive muito presente na minha vida no início dos anos 2000, no final dos anos 1990. Depois eu passei uma fase muito grande estudando outras formas de se relacionar com o mundo, me  tornei agnóstico e isso me afastou um pouco dessas questões relacionadas à espiritualidade.

Depois da pandemia, eu me reconectei com a religião. Eu não sou iniciado no Candomblé, mas eu sou uma pessoa que tem esse interesse pelas religiões de matriz africana e faço um movimento em direção a esse lugar de conhecimento para poder entender essas energias, entender essas forças. E tem feito muito bem para mim.

Eu acho que, independentemente do que as pessoas pensem em relação à religião dentro da rede social, a fé é uma coisa muito importante na vida de uma pessoa. Eu coloco esse assunto em pauta às vezes nos stories ou até mesmo em um post no feed, até porque eu acho que talvez os ataques a mim sejam direcionados a outros setores, não à questão religiosa.

Mas é claro que a religião sofre muito ataque, até porque é uma religião africana. Então a gente tem outras nuances que vão ser envolvidas.

Você sempre teve boas relações na indústria musical, especialmente com artistas de outros gêneros?

TSC: Não. Eu era bastante preconceituoso, na verdade. Eu acho que o rock tem essa característica de ser um estilo nichado demais, que tem uma postura muitas vezes preconceituosa em relação a outros estilos.

E no início, obviamente, com a minha imaturidade, eu também tinha essa postura. Eu achava que só o rock era bom e todo o resto era uma porcaria. Mas eu acho que com o amadurecimento, entendendo também que a cultura brasileira tem uma diversidade muito grande, você vai percebendo essas nuances e vai se abrindo cada vez mais para poder ter uma relação com os artistas que também estão fazendo o seu trabalho, independentemente do gênero.

Isso só melhorou a minha vida. À medida em que eu fui entendendo essas questões, fui abrindo espaço para ter uma relação saudável com pessoas de todos os gêneros. Inclusive convidamos algumas dessas pessoas para cantar junto com a gente. Além da relação do dia a dia, social, fizemos música com a Alcione, com o Lucas Lucco, com artistas de outros segmentos, que de certa forma contribuíram também para a gente dialogar com o público mais amplo.

Como foi o processo de desconstrução de sua personalidade conflituosa para se tornar um artista mais sereno?

TSC: É uma desconstrução que vai passar, obviamente, por um processo terapêutico, de entendimento interno, de entender por que eu tinha essa postura mais conflituosa. 

Eu tenho uma natureza conflituosa, por conta das minhas histórias de infância, de adolescência etc. Minha vida não foi uma vida simples, apesar de eu ser uma pessoa de classe média. Tive muitos embates quando eu era adolescente, e eu acho que trouxe essa “armadura” para a minha idade adulta. E isso me trouxe muitos problemas, porque a forma de você lidar com determinadas situações acaba sendo o que você aprendeu primeiro, na infância e na adolescência.

E depois, você vai entendendo terapeuticamente quem é você, vai se desconstruindo dessa ‘persona’ e reconstruindo, de uma outra forma, se esse é o seu propósito — e esse é o meu propósito: é aprender, é desenvolver, é melhorar e tornar uma pessoa melhor.

A rotina como músico já afetou negativamente seu convívio familiar?

TSC: Eu era muito jovem quando comecei. E eu fui pai muito jovem, com 23 anos. Meu filho hoje tem 23 anos. Eu olho para ele e falo assim: ‘Imagina se ele fosse pai hoje, qual a maturidade que ele teria para poder conduzir a vida de uma criança? Nenhuma.’ Um garoto de 23 anos é um garoto mesmo. Hoje, com 47 anos, eu olho para um cara de 23 e vejo um garoto. 

Foi muito difícil. Ainda mais, imagina, um garoto de 23 anos fazendo sucesso, naquela fantasia do rock. Na questão do comportamento, sexo, drogas e rock and roll, vamos viver a vida, oba-oba. Foi muito difícil conseguir enxergar a responsabilidade, as coisas que envolvem a paternidade.

E, obviamente, a minha rotina era muito pesada. Com o Detonautas estourado, lá no início, às vezes eu passava seis meses fora. Eu ficava em casa, sei lá, uma vez ou duas. Isso, com certeza, impactou a vida do meu filho e da minha mulher — que é a mulher que está comigo até hoje. São 24 anos.

E claro que, ao longo do período todo o tempo que vai passando e você vai compreendendo, administrando melhor. Mas é muito difícil fazer sucesso muito jovem. A probabilidade de ter um problema sério, por falta de maturidade e de experiência, é grande no decorrer da sua trajetória.

A separação que você teve da sua esposa, Luciana, em 2021 tem relação com isso?

Tico Santta Cruz fala sobre uso de drogas, avalia críticas ao Candomblé e à Lei Rouanet e comenta possível fim do Detonautas
Tico Santta Cruz e Luciana (Crédito:Instagram)

TSC: O período da pandemia foi muito difícil para todo mundo, aquela coisa… Imagina, a nossa dinâmica de vida é completamente diferente das pessoas que têm uma dinâmica de vida “tradicional”, digamos assim. Que trabalham de segunda a sexta, voltam para casa e no final de semana têm aquela coisa familiar. A gente tem uma dinâmica diferente. Durante a semana eu estou dentro de casa, hoje em dia. Mas, de quinta a domingo, eu estou fora. É uma fluência diferente.

De repente, você fica dois anos trancado dentro de casa, impactado por uma série de questões relacionadas à saúde mental por conta da pandemia, por conta dos problemas que estavam acontecendo no mundo. A dinâmica interna também ficou prejudicada com isso. E aí, acabamos nos afastando. 

A gente ficou afastado durante oito ou nove meses. Foi bom para ela e para mim, para que a gente pudesse fazer algumas revisões dentro da relação. Uma relação de 24 anos não é uma relação que você passa linear. Ela é uma relação de altos e baixos, e é só para quem realmente consegue vivenciar essas nuances da vida. 

Dentro de 24 anos, milhões de coisas aconteceram. Mas a gente conseguiu, de certa forma, manter a relação. E eu acho que isso, dentro da realidade social de hoje em dia, é uma vitória. 

Você já mencionou que sua postura contestadora pode ter levado à resistência da TV Globo em convidar o Detonautas para a programação. Como você avalia isso atualmente?

TSC: Na verdade, a minha postura naquele momento e em outras etapas da minha vida, talvez fosse uma postura que trouxesse essa percepção — não da Rede Globo, mas, de modo geral, dos veículos de comunicação — de um certo desinteresse. Pela minha postura, pela maneira como eu estava comunicando. 

E cada um entende qual é a dinâmica do seu canal, do seu espaço, e escolhe quem são as pessoas que vão estar lá ou não. A internet dá a possibilidade de todo mundo ter o seu próprio canal. Basta você entrar no YouTube, ou entrar em uma plataforma de streaming, e criar a sua programação.

Se você quer participar de alguma outra programação, você tem que identificar de que maneira você pode se relacionar com essas empresas. Não só a Globo, acho que todas as empresas. E eu acho que, em determinados momentos da minha trajetória, talvez a minha forma de me comunicar não estava sendo eficiente. Eu estava comunicando coisas em lugares inadequados, talvez.

Eu tive uma conversa, uma vez, com o Fábio Assunção, numa fase em que a gente estava mais próximo, e ele falou para mim: ‘Pô, você não vai chegar no Faustão, que é um lugar de entretenimento, e falar sobre política. Não faz sentido. As pessoas estão ali com outro propósito’. E eu estava meio desorientado em relação a isso. Para mim, todo lugar era um lugar de combate. E eu acho que não é, a vida não é assim. Você pode ter os locais de combate, mas você tem que identificar qual é o local para você ser eficiente. E eu estava sendo ineficiente, na verdade.

Atualmente, como você avalia a transgressão por meio da música?

TSC: O Detonautas, como grupo, não é um grupo transgressor. Eu, como indivíduo, a minha personalidade, tem essa característica. Falando do gênero mesmo, o rock, por si só, tem uma característica transgressora. A origem do rock é transgressora. 

Só que existem formas de transgressão. Você pode transgredir pela música, você pode transgredir pelo seu visual, você pode transgredir pelo comportamento social, da forma como você se posiciona em relação a determinados assuntos. A juventude é transgressora. Se não for transgressora, não faz sentido, porque você está mantendo o status quo do comportamento.

Então, os meus artistas, com os quais de alguma maneira eu me identifiquei no exterior — Jim Morrison, Kurt Cobain, Axl Rose, vários artistas que tiveram posturas conflituosas com a indústria, com o status quo com a sociedade — fizeram isso baseados no comportamento que estava relacionado ao estilo de vida do gênero, do rock, da forma como se identificou com a musicalidade.

Eu acho que eu continuo sendo transgressor, só que agora eu tenho controle sobre a minha transgressão, um controle interno. 

Depois de ter sido alvo de ódio de pessoas que antes te admiravam, hoje, você continua fazendo música para quem?

TSC: Eu não faço música para alguém. Eu escrevo o que eu sinto e isso atinge as pessoas. Eu não direciono isso para um grupo específico. É um sentimento, uma questão existencial, e as pessoas que se identificarem com essa questão existencial, elas podem ser de qualquer gênero, de qualquer classe, raça, credo, de qualquer espécie. É basicamente você falar o que você sente e alguém se identificar com isso, mas não direcionado para o público A ou para o público B. 

Eu tenho o interesse, obviamente, de dialogar com as pessoas mais jovens. E eu sei que é difícil, porque é um choque geracional de vocabulário, de posicionamento. Mas eu faço esse trabalho: estudo, pesquiso, tento. Eu tento ver de que maneira eu posso acessar. 

Mas eu não direciono meu trabalho para classe tal, para o público tal, para o gênero tal. Eu faço, e a galera que quiser colar com a gente pode vir, que vai ser bem-vinda.

Por que investir financeiramente em maconha?

TSC:  Eu fiz, durante um período, um investimento em algumas ETFs* de Cannabis, que por si só não deram muito resultado.

Eu acho que a cannabis é um ativo muito forte em vários países, já ficou muito claro. Eu sou um usuário de cannabidiol, do óleo do canabidiol, faço tratamento para dormir, para ansiedade. Então eu sei do poder da planta, não só para o uso recreativo, mas também para o uso recreativo, porque eu não vejo por que as pessoas ignorarem que existe o uso recreativo e, de certa forma, formularem regras para esse tipo de utilização.

Mas a cannabis, por si só, é uma planta que tem milhões de propriedades, não só do uso medicinal. Então eu me interessei por isso e fui investir em uma ETF, mas efetivamente não me deu grandes retornos. Eu também não fui muito profundamente nisso. Eu sei que tem amigos meus que investem de forma muito mais eficiente no mercado da cannabis.

*ETFs: exchange-traded fund, um tipo de fundo de investimento que é negociado em bolsas de valores

A indústria musical é uma facilitadora do uso de drogas?

TSC: A droga está em todos os segmentos. O artista fica, de alguma maneira, estigmatizado, porque talvez ele se exponha um pouco mais. Mas dentro da Bolsa de Valores tem pessoas usando drogas, dentro dos escritórios de advocacia tem, dentro das salas de cirurgia, em todos os lugares as pessoas estão usando drogas.

As substâncias estão disponíveis para as pessoas utilizarem, seja um remédio de tarja preta sem receita… Porque as pessoas falam da maconha, da cocaína, de outras drogas, mas elas estão usando uma série de medicações tarja preta sem orientação médica. A diferença é que uma droga está regulamentada e a outra está à deriva, para as pessoas consumirem de forma irresponsável.

Eu nunca tive problema com droga, mas eu sei que muitas pessoas têm. Eu entendo que a dependência química é um problema de saúde pública, não é um problema político. Deve ser tratada pela ciência, pela medicina, e não por gente engravatada. 

Acho que as pessoas engravatadas têm que criar regras, tanto para a venda quanto para o consumo, para que não seja uma coisa desenfreada, e que as pessoas tenham responsabilidade, tanto na prática da venda quanto na prática do consumo. E eu não sou hipócrita de achar que algum tipo de legislação proibitiva vai resolver o problema. A gente está vendo aí que não resolveu até hoje. A guerra às drogas é um fracasso total, não é um assunto que a gente possa banalizar. Ele tem que ser tratado com responsabilidade e, obviamente, existem muitos riscos e muitos danos que podem ser ocasionados quando se é utilizado de forma irresponsável, de forma exagerada.

Mas o exagero vai servir para tudo, para a comida, para a água, para o sal, para qualquer coisa que faça mal à saúde. Eu sou uma pessoa extremamente disciplinada, então eu não sou referência para ninguém, porque a minha disciplina é uma disciplina de alguém que conseguia, no final de semana, ‘tomar um porre’ e, na segunda-feira, estar dentro da academia ou correndo uma maratona.

Mas eu entendi que existiam prejuízos para a minha saúde se eu continuasse usando qualquer tipo de substância que pudesse me prejudicar até na minha convivência com a minha família, com as pessoas com quem eu trabalho etc. Quantas pessoas têm essa consciência? 

O uso de drogas já afetou pessoas próximas a você?

TSC: Eu perdi amigos por conta de droga. É um problema grave que tem que ser tratado sem hipocrisia. Não dá para tratar droga de forma hipócrita. Não dá para o cara usar droga e ir lá no parlamento depois e ficar falando sobre coisas como se ele não fosse um usuário, como se ele não tivesse responsabilidade também nesse mercado paralelo, nas questões que estão relacionadas à violência etc.

É um assunto delicado. Porque se as pessoas ficarem tratando desse assunto na superfície, a parte de baixo, que é onde tem que ser sanada, a gente não consegue resolver nunca.

Como você avalia as críticas a investimentos na indústria cultural, como a Lei Rouanet?

TSC: Acho que esse é um grande problema da sociedade em geral: falar sobre os assuntos mas não pesquisam, não estudam, não entendem. E aí fica difícil o diálogo, porque não dá para você dialogar com uma pessoa ‘terraplanista’ que está falando sobre um assunto sem conhecimento.

É uma ignorância muito grande em relação ao que o mercado cultural representa. Em primeiro lugar, a cultura é a identidade de um país, de um povo. E nós somos totalmente dominados por culturas estrangeiras: a maneira como nós nos vestimos, o que nós consumimos, a forma como nós gastamos o nosso dinheiro.

Foi inteligente da parte de países como os Estados Unidos e agora, por exemplo, a Coreia, que vem fazendo esse movimento de investir em cultura. Você imagina que se nós tivéssemos feito um investimento eficiente, talvez a gente não cantasse rap — no sentido de vir da cultura americana, do hip hop, da língua inglesa. Talvez a gente estivesse cantando repente. Talvez a gente estivesse mandando para os Estados Unidos e eles estivessem com o chapéu dos nordestinos, como os nordestinos se vestem quando cantam repente. Porque, culturalmente, o repente é o que representa a forma de fazer esse tipo de rima. 

Mas, ao mesmo tempo, o Brasil tem a característica de trazer para a sua cultura também o que é de fora e traduzir isso para a nossa língua, que foi o que o rap faz, o trap faz etc. Mas não é nosso. Não é de origem, o rock também não é de origem brasileira. O que é de origem brasileira é o samba.

Essas manifestações são exportadas para outros países, mas, culturalmente, o cinema americano impacta muito na maneira como a gente se comporta. A música americana impacta muito na maneira como a gente vê o mundo. Os artistas, de modo em geral, sejam do cinema, da música ou de outras artes, impactam também no nosso comportamento, e isso é o investimento em cultura.

Então a pessoa que fala contra a cultura, contra o investimento em cultura, seja da Lei Rouanet ou qualquer outra, que ela não sabe o que significa, nem a forma como é a dinâmica para se conquistar o direito de se utilizar esse tipo de recurso, é uma pessoa ignorante. Uma pessoa que está repetindo coisas que ela viu na internet sem nenhum conhecimento, nenhum embasamento e não sabe quantos empregos são gerados pela cultura, quanto de economia se movimenta com a cultura, quanto que a gente poderia movimentar muito mais em outras áreas por influência da cultura.

Então toda pessoa que fala de cultura e não sabe do que está falando, com certeza vai estar cometendo um equívoco na hora de dar um veredito a respeito desse tipo de investimento.

Se pudesse, você faria algo diferente em sua vida?

TSC: Eu mudaria muitas coisas na minha vida, com certeza. Óbvio, eu cheguei até aqui porque sei quem eu fui. Mas minha abordagem poderia ter uma equalização melhor em alguns momentos da minha vida, que poderia ter potencializado mais ainda a minha capacidade de argumentação, a minha forma de abordar as pessoas, eu conseguir acessar o público.

Como eu trabalho com música, para mim a imagem está muito clara de um equalizador, instrumento que a gente usa para equalizar o som para chegar bem no ouvido das pessoas. Talvez eu pudesse ter baixado um pouquinho aqui, aumentado um pouquinho ali, feito uma frequência mais eficiente. Mas ainda assim, diante de todas as questões que eu vivi, eu cheguei até aqui aos trancos e barrancos do jeito que eu fui.

Então se eu pudesse mudar, eu mudaria essas equalizações. Equalizaria melhor a minha intensidade. Eu sou muito intenso, reconheço a minha intensidade e sei que ela me prejudicou em vários momentos. Então, se eu não entender isso como uma coisa que eu precisaria mudar pra poder ter outros resultados, eu dificilmente também conseguiria ter a clareza para poder hoje fazer os movimentos que eu tô fazendo.

Hoje, eu sou uma pessoa muito mais voltada para a minha família, para o meu trabalho, para as questões com as quais eu estou me envolvendo, e eu entendo que talvez a minha ‘persona’ tenha chamado muita atenção ao longo de muitos anos. Ela faz parte da minha existência, mas ela está em transformação. 

Antigamente, falavam que todo mundo no futuro teria 15 minutos de fama, né? E hoje a gente vê que todo mundo realmente tem 15 minutos de fama. Mas eu acho que com o avanço da inteligência artificial etc., o movimento agora é o oposto. Quanto mais você estiver focado só no que de fato interessa, menos chances você tem de ter problemas no futuro com questões relacionadas à tecnologia e que com certeza vão utilizar dessas pessoas que estão expondo tanto os seus dados quanto às suas questões financeiras e suas questões privadas

Então hoje eu estou fazendo um movimento de me colocar para dentro de um espaço onde eu tenha cuidado de não me expor à toa ou com qualquer tipo de assunto. Vai tirar minha energia, não vai trazer nada para minha saúde mental, para minha saúde física.