Uma bandeira da Guiana balança no topo de uma imensa formação rochosa conhecida como tepui Pakaramba. A seus pés, está o pequeno povoado de Arau, onde seus habitantes afirmam ser guianenses e não venezuelanos, em meio a uma reivindicação centenária sobre o rico território de Essequibo, onde estão localizados.

“Isto é Guiana”, diz à AFP Jacklyn Peters, uma enfermeira de 39 anos que mora em Arau, onde cerca de 280 pessoas vivem em casas de madeira a menos de 10 quilômetros da fronteira com a Venezuela.

“Nesta montanha está a nossa bandeira. Toda manhã a observamos e nos sentimos felizes e orgulhosos. Foi o próprio presidente (Irfaan Ali) que a colocou ali para demonstrar que todos pertencemos à Guiana”, acrescenta Peters, que é mãe de seis filhos.

Na cidade há uma igreja adventista branca, sem esculturas ou pinturas, e uma escola com a bandeira da Guiana a meio mastro em luto pela morte de cinco soldados em um acidente de helicóptero no início do mês.

O cenário é composto por casas de madeira sobre palafitas, cajueiros e redes por toda parte: em uma delas, um pai dorme com a filha; em outra, quatro crianças brincam com celulares.

“Temos medo, estamos aterrorizados. Os soldados (venezuelanos) nos maltratam nos impedindo de transitar pelo rio (Cuyuni). Não queremos guerra. Há crianças, mulheres grávidas”, acrescenta a enfermeira.

– “Somos irmãos” –

A disputa pelo Essequibo reacendeu em 2015, quando a gigante energética ExxonMobil anunciou a descoberta de grandes campos petrolíferos, deixando a Guiana com reservas de 11 bilhões de barris de petróleo. Cerca de 125 mil pessoas vivem nessa região, o que representa um quinto da população do país, e cobre dois terços da sua extensão territorial.

“Aqui é a terra dos Akawaio. Foi antes da chegada dos espanhóis, desde tempos imemoriais. Para nós não há fronteiras, mas agora com a política, existe”, diz Thomas Devroy, ex-líder da comunidade.

Os países vêm elevando o tom da discussão desde que a Guiana concedeu licenças para explorar petróleo bruto na área disputada e a Venezuela realizou um polêmico referendo para incluir o território do país como uma província e não como uma área de reivindicação, como era oficialmente chamada até então.

O presidente venezuelano, Nicolás Maduro, anunciou que seu país também daria permissão para que petroleiras explorassem a região. A situação gerou receios de uma escalada para um conflito armado que ambos os países negaram.

“Damos as boas-vindas aos venezuelanos. Somos irmãos dos dois lados da fronteira. Estamos tristes por eles. Estão fugindo do seu país. Mas não queremos Maduro, a corrupção, a pobreza. Como ele pode pretender governar aqui?”, questiona ele.

Quase sete milhões de venezuelanos deixaram o seu país fugindo da crise e milhares cruzaram a fronteira para a Guiana. Muitos deles trabalham nas minas de ouro da região.

– Preços disparados –

Os habitantes de Arau vivem da exploração do ouro e da agricultura de “subsistência”, explica Lindon Cheong, um descendente de chineses de 53 anos, mostrando a casa que foi “construída pelas suas próprias mãos”.

O homem, que chegou à região há 17 anos, acredita que o governo da Guiana abandonou Essequibo.

“Para onde vai o dinheiro?”, questiona, ressaltando que o ouro está se tornando escasso. “Ontem eu mal fiz meio litro de ouro em oito horas de trabalho. São 1.000 dólares guianenses” (US$ 0,50 ou R$ 23,36, na cotação atual).

Desde setembro, os militares venezuelanos também cobram de navios que abastecem a cidade através do rio Cuyuni e os preços dispararam. Uma garrafa de Coca-Cola, por exemplo, custa US$ 10 dólares (R$ 49,15)e a gasolina passou de US$ 10 por cinco galões (19 litros) para 350 (R$ 1.720).

“Estamos lutando para viver”, diz Cheong, que também instalou uma bandeira da Guiana em seu jardim. “Maduro pode fazer o que quiser. Mas aqui está a bandeira da Guiana. A da Venezuela nunca balançará em Arau”, completou.

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