Israel apura assassinato de civis em centros de ajuda em Gaza

Israel apura assassinato de civis em centros de ajuda em Gaza

Após o jornal israelense Haaretz denunciar que soldados teriam atirado deliberadamente contra civis nas imediações de centros de distribuição de ajuda humanitária na Faixa de Gaza, o advogado-geral das Forças de Defesa de Israel (FDI) abriu uma investigação para apurar possíveis crimes de guerra.

Centenas de palestinos teriam sido mortos no último mês nessas circunstâncias, segundo agentes públicos e hospitais em Gaza.

A reportagem do Haaretz, publicada nesta sexta-feira (27/06), ouviu de soldados israelenses que eles receberam ordens para atirar contra a multidão – uma ação letal que eles temem ser desnecessária, por visar pessoas desarmadas que aparentemente só estavam em busca de comida e não representavam nenhuma ameaça.

Segundo o jornal, os militares têm luz verde para atirar contra aqueles que tentam se aproximar desses centros antes do horário de abertura e, novamente, após o fechamento dos complexos, para dispersá-los.

Esses incidentes não teriam sido casos isolados, conforme relato do Haaretz sobre uma reunião a portas fechadas nesta semana com altos funcionários da Procuradoria Militar.

Procuradas pela agência de notícias Reuters, as FDI negaram a existência de tal ordem para atirar deliberadamente em civis, e disseram que buscavam melhorar a “resposta operacional” nas áreas de distribuição de ajuda humanitária. Ainda segundo os militares, foram instaladas recentemente novas cercas e sinalização, além de abertas rotas adicionais para os pontos de coleta de alimentos pela população em Gaza.

O jornal Haaretz citou fontes não identificadas dizendo que a unidade do Exército criada para revisar incidentes que possam envolver violações do direito internacional vai examinar as ações de soldados nas proximidades dos pontos de ajuda humanitária no último mês.

À Reuters, as FDI declararam que alguns incidentes estão em análise pelas autoridades competentes. “Qualquer alegação de desvio da lei ou de diretivas das FDI serão cuidadosamente examinadas, e providências serão tomadas conforme a necessidade.”

Soldado isralense chama centros de ajuda humanitária em Gaza de “zona de morte”

Um soldado que falou sob condição de anonimato ao Haaretz relata o que observou no entorno dos centros de distribuição de ajuda humanitária em Gaza. “É uma zona de morte”, disse. “Onde eu estava destacado, entre uma e cinco pessoas morriam diariamente. Eles os tratam como uma força hostil: sem medidas de controle de multidões, sem gás lacrimogêneo, apenas disparando balas com tudo o que se pode imaginar: metralhadoras pesadas, lança-granadas, morteiros.”

Em várias ocasiões, as FDI reconheceram ter dado “tiros de advertência” contra palestinos que supostamente haviam se desviado da rota estabelecida ou que, segundo eles, representavam “uma ameaça”.

O primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu reagiu à reportagem do Haaretz chamando as acusações de “falsidades maliciosas projetadas para difamar” as FDI.

Em um mês, Gaza tem mais de 500 mortes associadas à distribuição de ajuda humanitária

Palestinos na Faixa de Gaza sobrevivem em meio a uma grave escassez de alimentos e outros suprimentos básicos após quase dois anos da guerra que Israel trava contra militantes do Hamas. O conflito deixou boa parte do enclave em ruínas e deixou desabrigada a maior parte de seus cerca de 2 milhões de habitantes.

Milhares de pessoas se aglomeram no entorno de centros de distribuição enquanto esperam desesperadamente pelos próximos carregamentos de comida, mas há relatos quase diários de mortes por arma de fogo contra civis.

Autoridades em Gaza afirmam que mais de 500 pessoas teriam morrido desta forma e outras mais de 4 mil teriam ficado feridas desde o final de maio, próximo a centros operados pela controversa Gaza Humanitarian Foundation (GHF) ou nas rotas de caminhões de ajuda humanitária das Nações Unidas.

Criada em fevereiro deste ano com aportes generosos de EUA e Israel, a GHF assumiu no final de maio a liderança da ajuda humanitária no território palestino, contornando ONGs e grupos com mais experiência na região. As ações ocorrem sob escolta armada de ex-militares americanos.

O acesso à ajuda humanitária em Gaza tem gerado grande confusão, e as forças israelenses chegaram a impor um toque de recolher das 18h às 6h da manhã nas rotas que levam aos centros da GHF. Mas os palestinos muitas vezes precisam se dirigir a esses locais muito antes do amanhecer se quiserem ter a chance de pegar algum alimento.

A chegada da GHF a Gaza ocorreu após a imposição, por Israel, de um bloqueio de dois meses e meio à entrada de alimentos, água e suprimentos médicos no território.

Em comunicado emitido na noite de sexta-feira, a GHF negou que tenha havido quaisquer incidentes ou fatalidades nos centros de distribuição ou em seu entorno – apesar dos vídeos desses ataques e do relato de palestinos feridos que lotam os hospitais próximos, a maioria com ferimentos a bala.

A nota da GHF afirma que cabe às FDI garantir a passagem segura de civis em busca de ajuda a todas as organizações humanitárias que atuam em Gaza, incluindo a GHF.

ONU critica

Também na sexta-feira, representantes das Nações Unidas denunciaram o sistema de ajuda humanitária controlado por EUA e Israel, associando-o a mortes em massa de civis famintos em busca de ajuda.

“A busca por comida nunca deve ser uma sentença de morte”, afirmou o secretário-geral da ONU, António Guterres.

Contrariado, o ministério isralense do Exterior reagiu acusando a ONU de sabotar os esforços de ajuda humanitária junto com o Hamas.

Desde que o bloqueio da ajuda humanitária a Gaza foi parcialmente suspenso, a ONU tem tentado atuar no território, mas se viu confrontada com diversos obstáculos, incluindo estradas obstruídas por destroços, restrições impostas pelos militares isralenses, bombardeios e desordem crescente na região, com caminhões sendo saqueados por gangues armadas e multidões de palestinos desesperados.

Philippe Lazzarini, chefe da UNRWA, a agência da ONU para refugiados palestinos, disse que o novo sistema de distribuição de ajuda virou um “campo de extermínio”, com pessoas “alvejadas enquanto tentam conseguir comida para si e suas famílias”, disse. “Essa abominação precisa acabar com a retomada das entregas humanitárias pela ONU, incluindo a UNRWA”, defendeu.

Por décadas, a UNRWA liderou a distribuição de assistência humanitária em Gaza, com a ajuda de outras organizações. Mas Israel acusou funcionários da agência de envolvimento no ataque terrorista do Hamas de 7 de outubro de 2023 e proibiu-a de atuar após acusá-la de permitir que as cargas fossem desviadas em benefício do grupo palestino.

Uma série de investigações detectou alguns “problemas relacionados à neutralidade” dentro da UNRWA, mas destacou que Israel não apresentou provas conclusivas que embasassem sua principal acusação de colaborar com o Hamas.

A guerra na Faixa de Gaza foi deflagrada pelo atentado do Hamas contra Israel, em que mais de 1,2 mil pessoas foram mortas e outras 251 sequestradas. Como consequência da campanha militar israelense, mais de 56 mil palestinos foram mortos, a maioria civis, segundo autoridades de Gaza.