Maria Isabel Barroso Salgado Alencar. Ela seria um nome certo na lista das convocadas para a seleção que iria enfrentar as peruanas pelo título sul-americano de vôlei (de quem as brasileiras não ganhavam nunca). Mas a Isabel foi cortada, junto com a amiga Jaqueline: atacante e levantadora, corda e caçamba no Flamengo. O boom do vôlei começaria exatamente ali, naquela tarde de sábado, final do campeonato de 1981, disputada em Santo André. O jogo foi num crescendo e cada vez mais pessoas começaram a acompanhar a transmissão da TV Record, comandada por Luciano do Valle. A final, com vitória certa das adversárias, virou um jogo desesperador, emocionante, maravilhoso! O ginásio superlotado, vindo abaixo… e as brasileiras ganham! A explosão do vôlei no país começava lá, no Pedro Dell’Antonia de Santo André. Eu estava lá. Mas Isabel e Jaqueline, não.

As duas tinham ousado desafiar Carlos Arthur Nuzman, o presidente da Confederação Brasileira de Vôlei e foram retiradas da equipe do técnico Ênio Figueiredo, às vésperas da decisão. Á época, já brigavam pela distribuição da verba de patrocínio, em igualdade de condições com os homens, o que não é nada bem digerido pelo esporte até hoje, com sua estrutura vertical, masculina e militarizada. Contestavam, virando camisas do avesso. Mas, por excelência esportiva, voltaram a ser convocadas, porque ajudavam na explosão do vôlei no país.

Essa geração passou por todas as transformações que então se iniciavam no esporte, em relação a salários, preparação física, estatísticas. Um dia, essas garotas e rapazes já eram “ídolos” da garotada sem clube, que jogava com redes improvisadas nas ruas, abrindo o nicho da classe média carioca para representantes de periferias além-Rio, São Paulo, Belo Horizonte… No outro, se viam presos à chegada de patrocinadores e das ciências do esporte, que exigiam o máximo da alta performance a preços altíssimos (para os atletas).

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O vôlei arrebatava corações de torcida e imprensa e Nuzman decidiu baixar um decreto na seleção: não haveria mais “musas” — como Isabel, Vera Mossa, Ida, Dulce e outras eram chamadas. Nem jogadoras. Ele queria “atletas” – título a que se seguia um implícito “caladas”. No caso de Isabel, não adiantou muito. Nada, na verdade. Voltou a ser convocada e a se manifestar contra injustiças. Isabel jogou grávida para desespero de médicos e dirigentes, ajudando a quebrar tabus. Foi para o então recém-oficializado vôlei de praia e se sentou no banco como técnica. Teve cinco filhos e adotou mais um, circulou entre cenários esportivos, políticos e culturais, onde também foi atacante. E craque.

As coberturas do noticiário esportivo mudaram com o tempo, porque o acesso que se tinha a atletas passou a ser mediado. Ainda assim, vínculos fortes se mantiveram com jornalistas que retratavam o esporte daqueles anos 1980/90 e conversas se seguiram ao longo dos anos, tratando do esporte e também de vida.

Uma das fundadoras do grupo Esporte pela Democracia, Isabel levantou a voz contra absurdos que tomaram o país e esteve no encontro com Lula há um mês, para apresentação de propostas ao novo governo, que despontava. Agora, tinha sido convocada para a equipe de transição, com outros atletas tão dignos – e indignados – quanto ela, da altura de Ana Moser, Raí, Verônica Hipólito… E se faria ouvir de novo, e mais alto, com todo espaço que teria para criar eco, na reconstrução de uma política esportiva para o país, necessária e urgente. Pena que não deu tempo de ouvir você, Isabel.