Em meio às dificuldades econômicas que se estendem por 40 anos e depois de manifestações por mais liberdade surgidos depois da morte da jovem Mahsa Amini na prisão em 2023 — supostamente por uso incorreto do véu —, o Irã se vê diante da possibilidade de ser eleito um presidente mais moderado em substituição ao linha-dura Ebrahim Raisi, morto na queda de seu helicóptero no domingo (19).

As eleições para a escolha do sucessor serão em 28 de junho e a questão que se apresenta é: dentre os candidatos a serem aprovados pelo Conselho dos Guardiões — e, portanto, nenhum de oposição —, a população optará por um menos radical?

Andrew Traumann, professor de Relações Internacionais da PUC-Curitiba e especialista em Irã, acredita que é possível, principalmente pela inflação que bateu nos 40% e pela repressão violenta a movimentos sociais. Mas ressalva: “Vai depender de quem receberá permissão para concorrer. E essa lista de candidatos mostrará se o regime está disposto a se abrir um pouco, como concessão à sociedade, ou se apenas os mais radicais poderão participar. Nesse caso, haveria um aprofundamento da linha-dura no governo”.

Com cinco dias de luto decretados pelo líder supremo Ali Khamenei, o funeral de Raisi atraiu alguns milhares de pessoas às ruas de Tabriz, cidade mais próxima das montanhas na fronteira com o Afeganistão, onde caiu o helicóptero que ainda levava Hossein Amir Abdollahian, o ministro dos Negócios Estrangeiros, e outras sete pessoas. De lá, o cortejo incluiu Qom, Teerã (a capital) e Birjand, antes do enterro no Santuário Imam Reza, em Mashhad, cidade natal do presidente morto.

Em meio ao silêncio arrastado de seus admiradores religiosos, o que se viu foram lojas se mantendo ostensivamente abertas e vídeos em redes sociais de pessoas trocando doces como forma de comemoração velada.

Irã: regime linha-dura vai amolecer depois da morte do presidente?
Mojtaba Khamenei será o próximo líder espiritual do Irã, na sucessão de seu pai, Ali (à esq.) (Crédito:Vahid Salemi)
Irã: regime linha-dura vai amolecer depois da morte do presidente?
(Morteza Nikoubazl)

Empossado em 2021, Ebrahim Raisi foi um dos quatro juízes que compuseram o Comitê de Morte da Revolução Iraniana de 1979 e promoveram execução em massa de presos políticos na década de 1980 — nada menos que 5 mil, nunca encontrados pelas famílias.
Seguiu no governo como um dos principais promotores do endurecimento de leis para calar qualquer tipo de oposição.
Também por isso, aos 73 anos, era o nome mais cotado para suceder Khamenei (que está com 85 e doenças seriamente agravadas) como “líder espiritual” do país.
O cargo é vitalício, com poder de veto sobre o presidente, e agora deve ser ocupado pelo próprio filho do aiatolá, Mojtaba Khamenei, de 54 anos (uma contradição, porque a revolução iraniana pregava contra dinastias no poder).

Uma ‘democradura’

A queda do helicóptero de Raisi chegou a ser atribuída a sabotagem de inimigos internos (ou externos, tendo em vista os recentes conflitos bélicos com a aliança EUA-Israel-Arábia Saudita), mesmo o aparelho sendo de 1996, como parte da sucateada aviação civil iraniana que não conta com peças de reposição devido aos embargos econômicos sobre o país.

De toda forma, foi aberta uma brecha inesperada para interessados na presidência do Irã, com as eleições convocadas pelo vice-presidente Mohammad Mokhber, interino nestes 50 dias. “Todo mundo pode votar, mas nem todo iraniano pode ser votado. É uma espécie de democradura”, observa Traumann.

As candidaturas precisam ser chanceladas pelo Conselho dos Guardiões, com 12 membros [de “notório saber” em teologia islâmica], antes de saírem às ruas e chegarem à tevê. “Todos os concorrentes, mais moderados ou mais linha-dura, obrigatoriamente são alinhados ao governo. Não existe abertura para a oposição.”

O país também vive sob a violenta Guarda Revolucionária, que além de braço armado se expandiu como grupo rico e poderoso, voltado a investimentos e empreiteiras. Tem papel forte e ativo no regime, por exemplo, em uma situação como o revide ainda que simbólico contra Israel, depois do ataque de abril à embaixada iraniana em Damasco, na Síria, com 11 mortos.

E a mudança de presidente não irá alterar a proximidade com Rússia e China, que não se alinham ao embargo econômico vivido pelo Irã, como lembra o professor.

Depois do acordo nuclear de 2015, que determinava a redução na produção de urânio e centrífugas em troca da entrada de dólares, bens descongelados e liberação de produtos europeus liberados, a situação mudou totalmente com o rompimento por parte de Donald Trump, então presidente dos EUA.

Para Traumann, a população tinha esperança de que a vida melhorasse, mas tudo voltou à estaca zero. “Hoje existe uma desilusão no Irã. Um clima de frustração.”

O troco à violência
Iranianos podem reagir à alta no custo de vida e à repressão, votando contra um candidato da linha-dura

O Estado vem de muita violência contra manifestantes em 2023, com centenas de pessoas assassinadas depois do espancamento de Mahsa Amini, supostamente presa por não usar o véu da maneira estabelecida pelas leis religiosas — e que “apareceu” morta na prisão em outubro de 2022.

Como a repressão no Irã não é apenas religiosa, mas se estende a etnias como azeris (do Azerbaijão), armênios, curdos, que o regime vê como foco de movimentos separatistas, o professor Andrew Traumann acredita que o sotaque curdo da garota de 22 anos possa ter agravado a fúria da polícia.

Ebrahim Riasi era visto como fantoche incompetente desde sua eleição como presidente em 2021, pela piora na economia e falsas promessas. E arrebanhou mais ódio das mulheres, depois de espalhar câmeras de vigilância pelas ruas para checar véus obrigatórios. Esses são fatores que, agora, podem influir na eleição de um presidente mais moderado.