Nesta sexta-feira, 27, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) contestou a decisão do Congresso Nacional que derrubou seu decreto de aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). A Advocacia-Geral da União (AGU) iniciou, a pedido do presidente, estudos técnicos para acionar o Supremo Tribunal Federal (STF) e reverter a deliberação da Câmara.
A ação inaugura mais um episódio de atrito entre os pilares executivo e legislativo. Com pouco entendimento entre as partes, o governo federal afirma que a medida objetiva maior “justiça tributária”, enquanto parlamentares julgam o aumento da alíquota e preferem cortes em gastos públicos para equilibrar os cofres da União.
Neste texto, a IstoÉ averigua os detalhes da trama, analisando a validade do decreto e a constitucionalidade de sua derrubada.
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Possível desgaste entre Poderes
A atitude de envolver o STF evidenciou um possível desgaste na relação entre Poder Legislativo e Executivo. Segundo o professor de direito da FGV-Rio, Gabriel Quintanilha, a crise política já dava indícios após a derrota do governo no Congresso, mas parece se agravar com a reação de Lula – que trouxe o terceiro Poder para dentro do debate.
“No momento em que o governo federal judicializa esse assunto, ele traz o STF para dentro da briga. Ele pode potencializar essa crise política trazendo o judiciário para participar da discussão“, analisa.
A Câmara tem o costume de se incomodar com a interferência do judiciário nas decisões legislativas, o que torna o cenário ainda mais delicado. Isso porque a batalha, ao tocar os três Poderes, cria uma nova frente de batalha – dessa vez entre o Congresso e o STF. O cientista político Leandro Consentino entende que trata-se de “mais um capítulo” dentro da novela que envolve as duas forças.
“Uma outra disputa que também tá se dando entre os bastidores é entre o Legislativo e o Judiciário. Isso tem a ver com o fato de que o Judiciário quer, de alguma forma, disciplinar o uso das emendas parlamentares, o orçamento e o Legislativo não quer ceder nesse ponto”, ressalta
A decisão do Congresso foi inconstitucional?
Na última quinta-feira, 26, o ministro da Fazenda Fernando Haddad (PT) classificou o projeto aprovado pela Câmara como “inconstitucional”, em entrevista à Folha de S. Paulo. Segundo ele, os juristas do governo não consideram legítima a tentativa de barrar o decreto do presidente.
Em entrevista à IstoÉ, o sócio do escritório Mannrich e Vasconcelos Advogados e professor do Insper, Breno Vasconcelos, explicou que o STF já se enfatizou, em contextos não tributários, que poder de sustação legislativa não pode ser utilizado como instrumento de controle político sobre atos normativos do Poder Executivo, desde que se mantenham dentro dos limites constitucionais.
Assim, como a Constituição Federal autoriza expressamente o Executivo a alterar alíquotas do IOF, a sustação desse ato pelo Congresso pode ser considerada inconstitucional se não estiver fundamentada em abuso ou excesso regulamentar por parte do Executivo.
Porém, apesar da Constituição autorizar que o Poder Executivo altere as alíquotas do IOF sem atender aos princípios da legalidade e da anterioridade, essa prerrogativa deve ser exercida para atender a questões regulatórias, e não para aumentar a arrecadação. E, conforme lembra o advogado, o governo federal justificou o aumento do IOF na necessidade de equilibrar as contas públicas.
A última vez que o Congresso derrubou um decreto presidencial foi em 1992, durante o governo de Fernando Collor.
As chances do STF acatar o pedido
Ainda não há consenso sobre o futuro da disputa, que neste momento reside nas mãos dos STF. Agora, cabe ao judiciário decidir se vai acatar o pedido do presidente e derrubar a decisão da Câmara ou não.
O professor Quintanilha considera que o sucesso do governo federal é improvável, justamente pela inadequação do aumento do IOF como medida regulatória – já que ele foi anunciado como um decreto arrecadatório.
“Apesar da constituição garantir que a alíquota do IOF pode ser alterada por ato do poder executivo, o IOF é um imposto interventivo, não arrecadatório. Não é um imposto que serve exclusivamente para arrecadar, mas sim para fazer política fiscal. E nesse caso, as alterações trazidas pelo governo não são alterações que têm fundo de política fiscal, mas sim alterações meramente arrecadatórias”, justifica.