Investir no clima foi o que provocou a crise da economia alemã?

Investir no clima foi o que provocou a crise da economia alemã?

"CartazesNa campanha eleitoral da Alemanha, clima virou o grande vilão. Candidatos prometem reverter medidas para fortalecer indústria. Especialistas insistem que ações climáticas e desenvolvimento econômico não são antagônicos.Empregos, renda e a economia em crise da Alemanha são os principais focos dos partidos políticos do país antes das eleições deste domingo (23/02), com muitos deles mirando nas medidas de proteção climática.

Friedrich Merz, líder da União Democrata Cristã (CDU), de centro-direita, e amplamente cotado para ser o próximo chanceler federal do país, disse que desativaria as usinas de carvão e gás somente se isso não prejudicasse a indústria alemã.

Até mesmo os partidos que atuam em questões climáticas estão falando menos sobre o assunto do que durante as eleições de 2021.

Isso deixou alguns especialistas preocupados com o fato de a economia estar tendo precedência sobre o clima, embora uma pesquisa da Climate Alliance, uma coalizão alemã de grupos da sociedade civil, tenha constatado que a maioria da população gostaria de ver mais ações climáticas.

"Já é evidente que, na corrida para as eleições federais, o clima e a economia estão mais uma vez sendo colocados um contra o outro", disse Claudia Kemfert, economista e especialista em energia do Instituto Alemão de Pesquisa Econômica (DIW, na sigla em alemão).

Ação climática é a culpada pela crise?

Pela primeira vez em décadas, a economia da Alemanha, a maior da Europa, encolheu por dois anos consecutivos. Sua economia industrial orientada para a exportação foi atingida pelos altos preços da energia, assim como pela lentidão da demanda interna e pelo fraco comércio global. Ao mesmo tempo, sua indústria automobilística – icônica espinha dorsal de sua economia – anunciou demissões em massa e encolhimento das vendas e dos lucros.

"A política de mitigação da mudança climática não está impulsionando essa queda econômica", diz Gunnar Luderer, cientista especializado em transição energética do Instituto Potsdam para Pesquisa do Impacto Climático. "Os problemas da economia alemã são de natureza estrutural e são mais profundos."

Ele avalia que um dos principais problemas tem sido a dependência da Alemanha em relação ao gás da Rússia, cuja transição foi cara após a invasão da Ucrânia por Moscou. Segundo o especialista, os altos preços da energia afetaram a economia, tanto pelo aumento dos custos de produção para indústrias com grande demanda dela, como aço e produtos químicos, quanto pelo aumento das contas para os indivíduos.

O modelo econômico da Alemanha também se mostrou vulnerável à concorrência internacional e à pressão da expansão da China em novos mercados, como o de mobilidade elétrica, de acordo com Luderer. "Os fabricantes de automóveis alemães foram bastante lentos e, na verdade, atrasados demais para seguir essa nova tendência", diz ele, acrescentando que o país agora está pagando por isso.

Enquanto na Europa e nos EUA as vendas de veículos elétricos estão diminuindo, na China elas estão crescendo, representando quase 50% de todos os carros vendidos.

Empregos e oportunidades negligenciadas

"A alegação geral de que as medidas de proteção climática na Alemanha têm um impacto negativo sobre a economia não é verdadeira", sublinha Kemfert, argumentando que medidas de proteção climática criam grandes vantagens econômicas que são frequentemente subestimadas.

A expansão das energias renováveis, a eletromobilidade, a renovação com eficiência energética e a eficiência energética no setor industrial são, segundo a especialista, medidas que exigem investimentos, que criam "valor e empregos".

O setor de energia renovável é responsável por quase 400 mil novos empregos na Alemanha, ressalta a analista. Os empregos no setor aumentaram quase 15% entre 2021 e 2022, com os setores de energia solar e bombas de calor se expandindo mais rapidamente.

"Se a Alemanha jogar a economia contra o clima, isso acarretará risco de perda de empregos, perda de competitividade e altos custos de combustíveis fósseis", diz Kemfert.

"Dada a força da economia alemã em manufatura, maquinário e setor automotivo, há muitas oportunidades econômicas em se tornar um líder em tecnologias verdes – como energia eólica, bombas de calor, mobilidade elétrica ou tecnologia de controle inteligente para aumentar a flexibilidade das demandas de energia", enumera Luderer.

Os especialistas também destacam que a presença de fontes renováveis na matriz energética fez com que o preço da eletricidade não aumentasse tanto quanto seria esperado, considerando a recente disparada dos preços do gás.

Niklas Höhne, cientista e fundador do NewClimate Institute, uma organização alemã de pesquisa sem fins lucrativos, explica que os preços da eletricidade são impulsionados pela fonte mais cara da matriz energética, que geralmente são as usinas a gás, enquanto o custo das renováveis continua a cair em todo o mundo.

"Portanto, é realmente a nossa dependência de combustíveis fósseis que aumenta os preços da eletricidade, e não a expansão das fontes renováveis", diz Höhne.

Os custos da incerteza e da inação

Vários partidos políticos declararam querer reverter a polêmica lei de energia para construção, a qual prevê a eliminação gradual dos sistemas de calefação a combustíveis fósseis e que vigora desde o início do ano passado. As siglas também querem contestar a proibição de novos carros com motor de combustão na União Europeia (UE) a partir de 2035.

"Essa incerteza política está prejudicando a segurança do planejamento para as empresas", alerta Stefanie Langkamp, diretora executiva de política da Climate Alliance. "Sempre que você conversa com o setor, sempre que conversa com os sindicatos, eles dizem que essa é uma das coisas mais importantes para que eles definam seus caminhos para o futuro."

Ela destaca o setor de bombas de calor – principal alternativa sustentável para substituir o sistema de calefação a gás –, que já contratou e treinou novos trabalhadores qualificados, além de ter adquirido recursos para aumentar sua capacidade.

"Se você não investir em ações climáticas hoje, enfrentará consequências realmente enormes, tanto em relação à economia quanto ao custo das mudanças climáticas", afirma Langkamp.

De acordo com um estudo publicado na revista científica Nature, estima-se que os danos econômicos causados globalmente pelas mudanças climáticas sejam seis vezes maiores do que o dinheiro necessário para investir em medidas para reduzir as emissões e manter o aquecimento global abaixo de 2 ºC acima dos níveis pré-industriais. Na Alemanha, estima-se que o clima extremo, como tempestades e inundações, tenha causado danos no valor de 7 bilhões de euros (R$ 41,7 bilhões) somente em 2024.

"O mundo está mudando para uma economia climaticamente neutra nas próximas décadas, e muitos avanços em energias renováveis, bombas de calor e veículos elétricos já foram feitos", frisa Langkamp. "Pode haver ritmos diferentes em alguns países ou setores, mas ainda assim esse é um movimento mundial e não vai parar. Por isso, se você não investir em ações climáticas agora, terá problemas de competitividade mais tarde."

"A única opção para a economia alemã é realmente abraçar proativamente os desafios e as oportunidades da transição verde", afirma Luderer. "Não há como voltar atrás. E o maior risco para a economia alemã é desacelerar a transição ou confiar demais em modelos de negócios antigos que não são mais viáveis."