A NATUREZA COMO ATELIER/ Paulo Kuczynski Escritório de Arte, SP/ até 30/5

Durante a 32ª Bienal de São Paulo, em 2016, uma selva de “Bailarinas” transformou o espaço térreo do Pavilhão em um portal de passagem para outra dimensão da civilização. Com aquele jardim de esculturas produzidas pelo polonês Frans Krajcberg com troncos de árvore, formava-se um campo situado muito além da degradação ambiental, do aquecimento global, das catástrofes naturais, da violência contra a diversidade cultural e outros fenômenos que cerceiam as sociedades contemporâneas. Era a porta de entrada para uma bienal que abordava o estado de incerteza do mundo e tomava por missão revelar a inteligência ambiental e o pensamento cosmológico que ainda existem sobre a face da Terra. Aquela era a 9ª bienal de Krajcberg — sendo que na 1ª edição, em 1952, recém-chegado da Europa, ele participara como montador —, mas certamente um dos ápices vividos antes de sua morte, em novembro do ano passado.

ENSAIOS SOBRE O VERDE E A TERRA “Relevo” (no topo da página), folhagem moldada em papel pintado com pigmento mineral, da década de 1970; Sem título (acima), colagem de minerais colhidos na ilha de Ibiza, da década de 1960 (Crédito:Divulgação)

Duas exposições atualmente em cartaz em São Paulo prestam homenagem póstuma ao artista e ativista ambiental naturalizado brasileiro: “Um Frans, a Natureza”, no Museu Afro Brasil (leia em Roteiros), e “A Natureza como Atelier”, na Paulo Kuczynski Escritório de Arte. A mostra na galeria paulistana é composta por 25 obras realizadas desde o início dos anos 1960 até o final da década de 1980, reunidas após dez anos de garimpo de Kuczynski. Entre elas, uma “Bailarina” solitária, cercada de trabalhos bastante raros, de fases menos conhecidas do grande público, como os “Relevos” de minerais colados sobre painéis de compensado, realizados em 1961, em Ibiza, na Espanha, quando o artista ainda dividia morada entre o Rio de Janeiro e Paris; ou os “Relevos”, em papel artesanal, pigmentos e areia, produzidos já na década de 1970, quando decide se estabelecer definitivamente em Nova Viçosa, na Bahia. Sobre os relevos — de folhas de palmeira, areia da praia e minerais —, o crítico carioca Frederico Morais diria: “Krajcberg não inventou o relevo, mas terá sido o primeiro a criar relevos a partir de uma relação direta com a natureza.”

PORTAL Escultura da série “Bailarinas”, da década de 1980, realizada com raízes de árvores de mangues (Crédito:Divulgação)

Entre algumas “Flores” e “Sombras”, seus trabalhos mais conhecidos, e mais copiados, chamam a atenção justamente um corpo de peças abstratas em técnica mista sobre tela, que remontam à convivência com os expoentes no Novo Realismo, na França. Mas qualquer afinidade com movimentos artísticos europeus foi sempre superada por uma busca pessoal e interessada num universo que poucos praticaram: a biodiversidade da natureza e a ação contra a devastação das florestas.

Krajcberg sempre fez questão de demarcar que não pertencia a movimentos. “Os únicos movimentos são os dos astros, marés e ventos”, disse ele em 1985. Autodeclarado mais ambientalista que artista, redigiu com o crítico francês Pierre Restany o “Manifesto do Naturalismo Integral”, em 1978; e o “Novo Manifesto do Naturalismo Integral”, em 2003, com o historiador Claude Mollard, que assina um texto no catálogo da exposição. Também integram o catálogo textos dos cineastas Maurice Dubroca e Walter Salles Jr., que conheceram o artista durante a realização de filmes sobre sua vida e obra. Salles é autor de um documentário sobre o artista, realizado em 1987, e de “Socorro Nobre” (1995), filme sobre a comunicação entre Krajcberg e a presidiária que descobriu sua obra folheando na cela uma revista semanal. “A extrema singularidade de Krajcberg e sua recusa em se dobrar ao mercado explica porque poucos colecionadores tem obras representativas de sua ampla trajetória. Os relevos e esculturas que Paulo Kuczynski reúne agora atestam o lugar arguto de quem percebeu no artista um dos expoentes mais importantes de sua época”, escreve Salles.

Roteiros
Krajcberg: do desenho à fotografia

UM FRANS, A NATUREZA/ Museu Afro Brasil/ de 21/4 a 10/6

RESTAURAÇÃO Em obras como “Sombra V”, artista espelha sua vida na natureza sob perigo (Crédito:Divulgação)

Cerca de 40 trabalhos compõem a mostra “Um Frans, a Natureza”, no Museu Afro Brasil. Entre relevos e esculturas elaborados a partir de madeira calcinada, troncos de árvores, folhas e cipós, entre os anos 1970 início dos anos 2000, figuram fotografias e um desenho feito na juventude, antes de Krajcberg deixar a Europa e buscar refúgio no Brasil, deixando para trás uma terra deprimida pelo Nazismo e pela 2ª Guerra e buscando a restauração da própria história.

Krajcberg fotógrafo é, portanto, um dos destaques da homenagem que o curador Emanoel Araújo presta à “alma peregrina das matas e florestas do Brasil”, que dedicou sua vida e obra à defesa da flora brasileira. Através da lente de sua câmera Leica, o artista observava, registrava e guardava em seu grande inventário natural toda a fragilidade e a força do ambiente n em que escolheu viver, em Nova Viçosa, na Bahia. Dentro da mostra também é exibido o documentário “Amazônia em Chamas — O Grito da Floresta” (2011), de Aluisio Didier.