Completa nesta segunda-feira, 8 de janeiro, um ano do evento que ficou conhecido como ataque aos Três Poderes e à democracia, em Brasília (DF). Centenas de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro se reuniram em marcha até a capital federal em ofensiva contra os prédios do Congresso Nacional, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal, sob chuva de argumentos sem fundamento pelo resultados nas urnas eletrônicas.

O ataque sucede uma série de investidas anti-Lula, incluindo bloqueio de vias por caminhoneiros bolsonaristas e ameaças de bombas em Brasília. Poucas horas depois de tomarem os prédios dos Três Poderes e destruírem acervos e grande parte da estrutura do Executivo, Legislativo e Judiciário, o presidente Lula (PT), recém empossado no cargo Executivo, decretou intervenção federal na segurança pública do Distrito Federal; 365 dias depois, o STF segue julgando os terroristas que causaram danos históricos ao país.

“Me parece que quem pensou, organizou e financiou o 8 de janeiro quis que a partir dali houvesse uma avalanche de outras manifestações em várias capitais do país para que a necessidade da Garantia da Lei da Ordem fosse requerida, principalmente pelos apoiadores por aqueles que representavam o governo Bolsonaro, principalmente no Parlamento e um ou outro no Poder Judiciário”, recorda José Niemeyer, doutor em Ciência Política e coordenador do curso de Relações Internacionais no Ibmec RJ.

Antes do ataque

Um descontentamento seguido de violência acontecia desde dezembro de 2022, quando grupos bolsonaristas queimaram ônibus na sede da Polícia Federal em Brasília, em resposta a prisão do cacique José Acácio Serere Xavante, por ordem do ministro do STF, Alexandre de Moraes, em 12 de dezembro, a pedido da Procuradoria-Geral da República.

O motivo foi de que o indígena participava e liderava manifestações contra a democracia e o Estado Democrático. A diplomação de Lula. vitorioso no segundo turno das eleições presidenciais, acontecia no mesmo dia no Tribunal Superior Eleitoral.

  • Acampamentos no QG

Desde novembro, grupos de caminhoneiros se formavam nas estradas para bloquear as vias, em manifestação. A Polícia Rodoviária Federal chegou a registrar mais de 160 bloqueios em 15 cidades. O Ministério Público chegou a investigar imagens de bolsonaristas por saudação nazista em bloqueio feito em Santa Catarina.

Em paralelo, os bolsonaristas formavam acampamentos em frente ao Quartel General da Força, no Setor Militar Urbano, em Brasília, assim como em outras capitais, como São Paulo, Salvador, Cuiabá, Rio Branco e Manaus. Foram, no total, 70 dias de ocupação nas cidades, incluindo o DF.

Desmontagem do acampamento de bolsonaristas em frente ao Palácio Duque de Caxias, sede do Comando Militar do Leste do Exército Brasileiro.
Desmontagem do acampamento de bolsonaristas em frente ao Palácio Duque de Caxias, sede do Comando Militar do Leste do Exército Brasileiro. (Crédito:Fernando Frazão/Agência Brasil)
  • Ameaça de explosivos em Brasília

No dia 24 de dezembro de 2022, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, afirmou que a pasta estava apurando informações sobre um ‘suposto artefato explosivo encontrado em Brasília’ naquele sábado, véspera de Natal.

No mesmo dia, George Washington de Oliveira Sousa, 54, foi preso e confessou ter armado uma bomba em um caminhão próximo ao aeroporto de Brasília, alegando que queria “provocar o caos” contra a eleição de Lula. Apoiador de Bolsonaro, ele tinha contato com outros bolsonaristas que acampavam em frente ao Quartel General do Exército com apelos golpistas contra a eleição de Lula. George Washington foi condenado pelo ato.

Além dele, Alan Diego dos Santos Rodrigues também foi condenado por participar do crime, com pena de cinco anos. A Justiça concluiu que foi ele quem colocou o explosivo no caminhão que o deixou no canteiro central da pista de rolamento. Outro condenado pelo episódio foi o blogueiro Wellington Macedo de Souza, a seis anos de prisão. Ele foi o responsável por dirigir até o local. Ele estava foragido e foi preso no Paraguai em setembro de 2023.

No feriado natalino, a Polícia Militar do Distrito Federal encontrou um material explosivo em uma área de mata na cidade do Gama, próximo a capital federal. À noite, por volta das 22h30, o esquadrão de bombas do Batalhão de Operações Especiais conseguiu neutralizar os artefatos.

Com a intensiva dos bolsonaristas, foi reforçada a segurança também para a posse do presidente eleito, tradicionalmente marcada para o dia 1º de janeiro.

Domingo, 8 de janeiro de 2023

Uma marcha de bolsonaristas e outros opositores seguiu em direção a Esplanada dos Ministérios por volta das 15h de domingo, 8 de janeiro de 2023. O clamor era por intervenção federal contra o resultado das eleições presidenciais que deram vitória democrática a Lula, confirmando a derrota de Bolsonaro. Calcula-se aproximadamente 4 mil pessoas no local.

Vândalos depredam o símbolo da Justiça em frente ao STF (Crédito:Sergio Lima / AFP)
  • O ataque

Bolsonaristas radicais invadiram as estruturas dos prédio após entrar em confronto com a Polícia Militar no local. A segurança usou spray de pimenta na tentativa de afastar as manifestações antidemocráticas. Imagens mostravam pessoas vestidas de verde e amarelo e com bandeiras do Brasil entrando nos espaço da área federal. A maioria levava paus de madeira e outros instrumentos usados na depredação.

Vândalos depredaram prédios dos Três Poderes na tarde de domingo, 8 de janeiro de 2023 (Crédito:Marcelo Camargo / Agência Brasil)

Vidraças foram quebradas e cadeiras e pedaços de mobília eram jogadas em todos os prédios. O primeiro ataque foi no Salão Verde da Câmara dos Deputados, além do plenário. Em seguida, foi a vez dos vândalos invadirem Supremo Tribunal Federal e o Palácio do Planalto. O ataque durou cerca de 4h, quando finalmente os terroristas antidemocráticos foram dispersados.

Durante a invasão, policiais militares do Distrito Federal aparecem em imagens fazendo fotos com celular e conversando amigavelmente com apoiadores de Bolsonaro.

  • Fezes no STF

Bolsonaristas evacuaram e urinaram em salas dentro do STF durante os atos terroristas. O plenário do Supremo foi revirado e teve móveis quebrados. Imagens circularam nas redes sociais na época, mostrando também vândalos molhando o local com mangueira para destruir equipamentos e documentos oficiais.

Uma sala, destinada ao trabalho do ministro Alexandre de Moraes, também teve depredação. A porta de armário foi destruída, onde se guardam as togas do jurista.

Plenário do STF destruído após ataque terrorista do dia 8 de janeiro de 2023 (Crédito:Carlos Moura/ Comunicação STF)
  • Lula decreta Intervenção federal no DF

Lula estava em Araraquara (SP) no dia 8, acompanhando os danos causados pelas chuvas no município. Em coletiva de imprensa organizada com urgência, o presidente se manifestou sobre o caso e decretou intervenção federal no DF, que seria levada sob o comando do então secretário-executivo do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Cappelli.

“O objetivo da intervenção é pôr termo a grave comprometimento da ordem pública no Estado no Distrito Federal, marcada por atos de violência e invasão a prédios públicos”, diz o decreto lido por Lula.

“Aquelas pessoas que chamamos de fascistas, chamados porque está combinado na política invadir a sede do governo federal e invadir a Suprema Corte, como verdadeiros vândalos. Achamos que houve falta de segurança, todas as pessoas serão encontradas e punidas. Vão perceber que a democracia garante liberdade de expressão, mas exige que as pessoas respeitem as instituições criadas para fortalecer a democracia”, declarou Lula em coletiva de imprensa no fim da tarde do dia 8 de janeiro de 2023.

Prisões

Moraes determinou a dissolução, em 24 horas, dos acampamentos realizados nas imediações dos quartéis generais e unidades militares, a desocupação de vias e prédios públicos em todo o território nacional e a apreensão de ônibus que trouxeram terroristas para o Distrito Federal.

Para Sergio Praça, doutor em Ciência Política e professor da Fundação Getúlio Vargas, o principal dano social causado pelo 8 janeiro é a sensação de impunidade por parte dos políticos que incentivaram os atos. “Diversos deputados federais e senadores apoiaram a tentativa de golpe e seguem impunes. Eles deveriam ter sido punidos imediatamente, logo após a ocorrência dos ataques”, reforça. 

Para o cientista político, ainda, o Brasil já se recuperou do susto. “O fato de Bolsonaro ter se tornado inelegível faz com que uma nova ameaça de golpe seja bastante improvável”, completa.

Ao menos 243 pessoas* foram presas dentro dos prédios públicos e na Praça dos Três Poderes (161 homens e 82 mulheres) após ação da polícia para retomar o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o Supremo. No mesmo dia, o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, foi afastado do cargo por decisão do ministro Alexandre de Moraes, referendada pelo Plenário posteriormente.

  • Total de prisões nos dias 8/1 e 9/1: 2.170
  • Total de pessoas que permanecem presas preventivamente: 66

“O peso histórico foi tremendo e, no caso do Brasil, 8 de janeiro de 2023 ficará como uma marca na historiografia política brasileira, porque a gravidade, além da violência dos ataques, foi a violência contra o processo eleitoral”, avalia o professor do Ibmec RJ.

Com informações do Supremo Tribunal Federal*