Romper estereótipos normalmente relacionados à segurança pública no Rio foi um dos principais objetivos de Caio Cobra, diretor do longa Intervenção, com estreia prevista para 15 de novembro. Para começar, o filme, que trata do desmantelamento das UPPs em favelas da cidade e da volta dos traficantes às comunidades, é estrelado por uma mulher, a soldado Larissa, vivida pela atriz Bianca Comparato.

E Larissa é uma policial idealista. Para surpresa de sua própria família, ela decide fazer concurso para a PM e vai trabalhar numa UPP por acreditar no projeto de pacificação das comunidades. Na derrocada do programa, no entanto, ela se vê desamparada, sem recursos para trabalhar, em meio à violência.

“Acho que o filme desmistifica um pouco o lugar da polícia e traz uma visão feminina da questão, isso me interessou muito”, defende Bianca Comparato. “Essa polícia das UPPs traz a promessa de ser mais humana, embora viva numa cidade em guerra; ela vem pacificar, mas vem com um fuzil.”

Os companheiros de Larissa na UPP do Morro da Laje, comunidade fictícia na zona sul da cidade, são o major Douglas (Marcos Palmeira), um veterano da corporação; o soldado Caio (Rainer Cadete), que também trabalha como youtuber; e o cabo Lobo (Babu Santana), um policial extremamente honesto.

Os roteiristas do filme, Rodrigo Pimentel e Gustavo de Almeida, contam que a ideia de Intervenção surgiu quando eles constataram uma mudança significativa no perfil das pessoas que fizeram concurso para a PM em 2011, no ápice do sucesso do programa das UPPs.

“O filme reflete o momento em que aproximadamente nove mil jovens, entre 20 e poucos anos, entraram para a PM porque acreditavam no modelo das UPPs, do policiamento dentro das comunidades, próximo dos moradores”, contou Pimentel. “Mas essa turma, que fez o concurso em 2011, acabou só entrando mesmo na corporação em 2013, quando o programa já estava dando errado, e virou vítima da situação.”

De acordo com a ONG de direitos humanos Human Rights Watch (HRW), a implementação das UPPs nas comunidades mais violentas surtiu efeito positivo na redução da violência. De 2008 a 2013, o número de homicídios em ações policiais em geral caiu 63%. Nas comunidades com UPPs, o recuo foi de 86%.

“Infelizmente, esse projeto começou a fracassar por vários motivos, entre eles o fato de a segunda etapa do programa nunca ter acontecido: após a ocupação, era preciso levar às comunidades os serviços de saneamento, cuidados e saúde. Os serviços de segurança pública não vieram acompanhados dos serviços sociais”, afirmou a diretora do escritório do Brasil da HRW, Maria Laura Canineu. “Por outro lado, a polícia foi abandonada à própria sorte nas comunidades.”

Entre o fim de 2014 e o início de 2015, o Rio mergulhou em uma profunda crise econômica – época em que não havia sequer combustível para fazer andar os velhos carros da PM. Os recursos começaram a escassear e as diferentes facções do tráfico voltaram a disputar o controle de território dentro das comunidades. Após uma breve pausa para os Jogos Olímpicos, a situação desandou de vez, com policiais sendo executados diariamente.

A intervenção federal na segurança passou, então, a ser vista como a única solução possível para tamanho descalabro.

Rodrigo Pimentel, que também foi roteirista de Tropa de Elite 1 e 2, lembra que frequentemente os policiais são desumanizados pela imprensa e pela sociedade em geral.

Muita gente não consegue enxergar que existe um lado humano do policial sim, um cara que acordou de madrugada, que pegou um trem lotado para ir para o trabalho e teve de esconder a farda para nenhum bandido identificá-lo, que já enterrou dezenas de colegas, que está com o salário atrasado e não tinha o que comer em casa”, enumera o ex-agente do Bope. “O filme tenta mostrar esse outro lado.”

Mas o filme não se limita a relativizar as formas de representação dos policiais. A questão da raça também está presente. O principal bandido do filme, o líder do tráfico na comunidade, Fió, é vivido pelo ator Vitor Thiré, que é ruivo e tem os olhos azuis. E a irmã de Larissa, que é branca, é a defensora de direitos humanos Flávia, vivida pela atriz negra Dandara Mariana. “O mais legal é que elas são irmãs e pronto”, conta Dandara. “Ninguém fica tentando explicar por que uma é negra e a outra é branca.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.