Como já aconteceu no caso da pólvora e da bomba atômica, a inteligência artificial (IA) tem a capacidade de voltar a revolucionar a guerra, afirmam analistas, ao transformar os confrontos humanos de forma antes inimaginável e deixá-los mais letais.

A integração dessa tecnologia aos armamentos, veículos e programas de computador militares modificou as linhas de combate em conflitos como o da Ucrânia e, além disso, ameaça mexer com a competição pela superioridade global entre Estados Unidos e China.

O tema surgiu antes do encontro entre os presidentes Joe Biden e Xi Jinping na quarta-feira na Califórnia e especulou-se que os dois poderiam pactuar uma proibição do uso de armamento letal autônomo.

No entanto, não houve tal acordo. Os líderes dos EUA e da China deixaram que suas equipes de especialistas continuassem analisando a aplicação desta tecnologia que pode revolucionar o cenário bélico no ar, no mar e na terra.

Especialistas ocidentais afirmam que Pequim investe de forma massiva em IA, ao ponto que em breve poderá alterar o equilíbrio de poder na região Ásia-Pacífico, e talvez além.

Isso representaria profundas mudanças na ordem mundial, dominada há muito tempo pelos Estados Unidos.

– “Sentença de morte” –

Robôs, drones, torpedos e outros dispositivos: graças a tecnologias que vão desde a visualização por computador até sofisticados sensores de campo, todo tipo de arma poderia ser transformada em sistemas automáticos controlados por algoritmos de IA.

Mas a autonomia não significa que uma arma possa “acordar de manhã e decidir começar uma guerra”, ressaltou Stuart Russell, professor de ciências da computação da Universidade de Berkeley, Califórnia.

“Significa que eles têm a capacidade de localizar, selecionar e atacar alvos humanos ou alvos que carregam seres humanos, sem intervenção humana”, explicou.

Os robôs assassinos de inúmeras histórias de ficção científica são um exemplo óbvio, que foi analisado, mas, para Russell, “esse é o menos útil”.

Muitas armas ainda estão em fase de protótipo, porém, a guerra que se desenvolve após a invasão russa da Ucrânia oferece uma amostra do potencial desta tecnologia.

Drones pilotados de forma remota não são novidade, mas estão ganhando mais autonomia e são usados pelos dois lados, obrigando as tropas a buscar mais refúgios subterrâneos.

Essa pode ser uma das maiores mudanças imediatas, segundo Russell. “Uma consequência provável de ter armas autônomas é que basicamente ficar visível em qualquer ponto do campo de batalha seria uma sentença de morte”, opinou.

Armas autônomas têm possíveis vantagens a nível militar: podem ser mais eficientes, são mais baratas e não têm emoções humanas, como medo ou raiva.

Mas tudo isso gera problemas éticos. Por exemplo, se sua fabricação é barata, não há virtualmente nenhum limite no poder ofensivo de um agressor, de acordo com Russell.

“Posso simplesmente lançar um milhão delas de uma vez e, se quiser, posso dizimar uma cidade inteira ou um grupo étnico inteiro”, disse.

– Veículos autônomos –

Submarinos, barcos e aviões de operação autônoma podem ser um grande avanço em termos de monitoramento e apoio logístico em áreas remotas ou perigosas.

Este é o objetivo do programa “Replicator”, iniciativa do Pentágono para contrapor a poderosa supremacia numérica da China em tropas.

A ideia é poder enviar vários sistemas baratos e fáceis de substituir rapidamente em diferentes cenários, indicou a subsecretária de Defesa dos EUA, Kathleen Hicks.

Ela explicou que, se um grande número de dispositivos é “lançado ao espaço ao mesmo tempo, fica impossível eliminar ou danificar todos”.

Muitas empresas estão desenvolvendo e testando veículos autônomos, como a californiana Anduril, que tem um submarino “otimizado para diversas missões de defesa e comerciais”, como detecção oceanográfica de longe alcance, reconhecimento do espaço de batalha submarino, manobras antiminas, cartografia de fundos marinhos e guerra antissubmarina.

– Programas táticos –

Controlado por IA e capaz de processar uma infinidade de dados coletados por satélites, radares, sensores e serviços de inteligência, o software com fins táticos pode oferecer aos humanos um verdadeiro avanço em planejamento militar.

“Todo mundo [no Departamento de Defesa] precisa entender que a informação é na realidade a munição em uma guerra de IA”, declarou Alexander Wang, chefe da empresa de programação Scale AI, durante uma audiência no Congresso americano este ano.

“Temos a maior frota de material militar do mundo. Essa frota gera 22 terabytes de dados por dia. Assim, se pudermos configurar e instrumentalizar adequadamente essa informação que é gerada em grupos de conjuntos de dados para IA, poderemos criar uma vantagem em informação bastante insuperável no que diz respeito ao uso militar da inteligência artificial”, detalhou.

A Scale AI tem um contrato para desenvolver um modelo de linguagem para uma rede de inteligência de uma importante unidade do Exército dos Estados Unidos.

Seu chatbot, batizado de “Donovan”, permitirá aos militares “planejar e atuar em questão de minutos, em vez de várias semanas”, indica a companhia.

Entretanto, o chefe da diplomacia americana, Anthony Blinken, já adiantou que existem limites, como no caso de decisões de uso do armamento nuclear.

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