Chegamos ao fim daquela que foi, muito provavelmente, a campanha mais suja da história do País. Depois de uma crise sanitária provocada por uma pandemia mal administrada que matou 700 mil brasileiros, uma crise econômica que colocou 33 milhões de pessoas na lista da fome e uma crise política em que o Congresso simplesmente surrupiou do Executivo, com a anuência deste, a capacidade de gerir o orçamento, é inacreditável constatar que a discussão eleitoral tenha se resumido a assuntos bizarros como pedofilia, canibalismo e intolerância religiosa. E o pior: os temas não foram inventados por ninguém, mas pronunciados pela boca de um dos candidatos, com vídeo para comprovar.

Não é possível, portanto, estabelecer uma simetria entre as campanhas. Ninguém inventou: o candidato Jair Bolsonaro realmente fez apologia da pedofilia ao acusar refugiadas de 14 anos de estarem maquiadas porque são prostitutas, e ainda disse que “pintou um clima” com elas que o levou para dentro da casa onde estavam. Em outra entrevista bizarra, Bolsonaro disse que só não praticou canibalismo porque ninguém teve coragem de acompanhá-lo e espalha. Sem contar que inúmeras vezes, de forma mentirosa, declarou que o adversário “vai fechar igrejas”.

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) age como uma criança que tenta conter o rompimento de uma barragem com o dedo mindinho. A quantidade de mentiras espalhadas pela máquina de desinformação bolsonarista torna qualquer ação do tribunal praticamente inócua. A exigência para retirar fake news veiculadas em redes sociais é uma fração ínfima da distribuição desse material pela internet: há milhares, milhões de grupos de whatsapp espalhando crimes no momento em que você lê esse texto. O pior para o País, no entanto, é a compra de votos institucionalizada que o governo federal promoveu às vésperas da eleição.

Se antigamente os políticos compravam o eleitor com um prato de comida, Bolsonaro transformou isso em corrupção sistêmica. Basta ver o que o dinheiro do nosso imposto bancou desde o início de outubro: em 3/10, a antecipação do Auxílio Brasil e Vale Gás; em 5/10, a inclusão de 500 mil famílias no Auxílio Brasil; em 6/10, o lançamento do Programa de Refinanciamento de Dívidas; em 7/10, a antecipação do auxílio para taxistas e caminhoneiros; em 11/10, a Caixa, banco federal, iniciou o programa de crédito consignado vinculado ao Auxílio Brasil; em 14/10, houve a prorrogação do CadÚnico; em 18/10 foi aprovado o crédito para FGTS futuro.

Tudo isso tem um nome: compra de votos. A Constituição proíbe esse tipo de benefício no período eleitoral, justamente para evitar que políticos corruptos comprem as eleições. No Brasil, porém, a corrupção tem lado. Se as instituições funcionassem por aqui, essa eleição seria bem diferente – e o Brasil não assistiria impunemente ao maior sistema de compra de votos da história.