24/07/2020 - 15:48
A cada beijo, o corpo tem uma sensação deliciosa de bem-estar. Produz hormônios como adrenalina e a endorfina. Queima cerca de 15 calorias por movimentar 29 músculos da face e 32 da língua. Melhora a imunidade, protege os dentes com o aumento da saliva, reduz alergias e estresse.
Nelson Rodrigues dizia que “não damos importância ao beijo na boca, mas faz o casal ser único, definitivo, sendo tudo mais tão secundário, tão frágil e tão irreal”.
A diversão proposta por essa coluna é fazer uma verdadeira viagem pelo mundo da arte, acompanhando os beijos eternizados por artistas dos mais variados estilos. Selecione uma obra –ou várias– pesquise sobre o artista e escolha qual beijo você deseja receber na vida real:
1. O primeiro beijo da história da arte – Il Bacio di Anna e Gioacchino nella Capella degli Scrovegni a Padova
Foi na cidade de Pádua, onde minha avó paterna nasceu, que vi um dos beijos de amor mais extraordinários. O Encontro de Anna e Gioacchino na Porta d’Oro é um afresco de pouco mais de dois metros e que fica dentro da pequena Capella degli Scrovegni. A obra de Giotto di Bondone (1267 – 1337) mostra Joaquim que, depois de ser expulso do tempo de Jerusalém por ser estéril (sem a benção de Deus), é obrigado a se refugiar com os pastores nas montanhas. Enquanto isso, Anna descobre que está grávida após o anúncio feito por um anjo, o mesmo que o conformou quando estava no retiro. A notícia faz com que Anna deixe de ser viúva (o manto marrom em pinturas da época representa isso). A cena retrata o encontro dos dois em frente ao Portão Dourado de Jerusalém. Note os personagens, o olhar, os gestos e a delicadeza do traço para representar esse momento de grande alegria. O jogo de luzes, os tons de pastel, o volume das figuras e o equilíbrio da obra são técnicas muito mais avançadas do que as utilizadas em pinturas da época, que eram praticamente chapadas. Imaginem o escândalo que foi esse beijo, registrado nos afrescos internos de uma igreja no princípio do século XIV.
- O mais famoso beijo da Idade Média – Il Bacio –
Impossível olhar para essa obra sem ter certeza absoluta que o casal registrado usou todos os músculos da face nesse beijo, o mais intenso da história da arte ocidental. Note o movimento da tela, com a garota inclinada para trás e o rapaz segurando seu rosto e colocando sua perna dobrada sobre o degrau para encaixá-la contra o seu corpo másculo. Certamente, a cena despertaria a atenção até nos dias de hoje, mas ela foi pintada em 1859 por um italiano chamado Francesco Hayez (1791 – 1882), considerado o máximo expoente do romanticismo histórico. Hayez foi convidado por um conde para retratar as esperanças associadas à aliança entre França e Reino da Sardenha, cujo acordo possibilitou a derrota do exército austríaco e o início da unificação italiana. Outra curiosidade: o artista fez três quadros desse beijo, com diferentes roupas e adereços.
3. Erotismo – O Beijo (Der Kuss) –
Esta é uma das obras mais conhecidas de Gustav Klimt. Foi criada em 1908 e atualmente ainda é amplamente reproduzida como símbolo da união amorosa entre duas pessoas. A obra está exposta na Galeria Belvedere, um museu de Viena super interessante, mas que é pouco divulgado mundialmente. Klimt era um artista influente e que gostava de revelar os anseios intelectuais, eróticos e simbólicos das paixões no final do século XIX. A pintura é intensamente erótica por expor a mais profunda intimidade de um casal – algo que geralmente fica restrito aos lençóis. O dourado reina em um desenho que reúne dois corpos em um, dando a sensação é de intenso prazer. O quadro foi produzido após uma fase ruim do artista, muito criticado após pintar o teto da Universidade de Viena. O beijo de Gustav Klimt supera as expectativas de quem vê a obra também por ser um ménage de diferentes estilos (arte bizantinas, mosaicos, gravuras japonesas e Art Nouveau).
4. Na Cama, O Beijo de Henri de Toulouse-Lautrec –
O artista fez uma série de obras retratando um casal na cama. A pintura mostra a intimidade de duas mulheres em um momento de amor. O artista, famoso por retratar personagens reais, deve ter gostado muito da cena, pois escolheu uma paleta de cores perfeita para a obra, que demonstra carinho e a vontade de continuarem juntas pela posição dos braços. Toulouse-Lautrec deixou um legado importantíssimo, com mais de mil obras e sua história está disponível na coluna Conheça a vida noturna de Paris pelas obras de Toulouse-Lautrec.
5. A escultura que parece algodão –
Como ele conseguiu essa façanha, eu não sei. A partir de um único bloco de mármore, esculpiu uma das cenas mais bonitas da arte, transformando o material em algo que parece leve, macio e maleável. O Beijo é uma das esculturas mais conhecidas de Auguste Rodin. Dizem que a obra, produzida em 1889, teria sido inspirada nos seus delírios amorosos com a artista francesa Camille Claudel, sua aluna, sua inspiração, sua modelo, confidente e amante. A escultura mostra o casal abraçado e absorvido por um beijo intenso e apaixonado. Note a pressão do dedo sobre a perna da mulher, fazendo uma covinha deliciosa. A escultura faz parte do acervo do Museu Rodin, em Paris, que é repleto de obras extremamente interessantes, mas não tão impactantes como essa.
6. Beijo na esposa –
Birthday retrata o estado de felicidade romântico da vida real de Marc Chagall (1887–1985). O artista estava comemorando o aniversário de sua esposa e eternizou o beijo dado em Bella. Pediu para que ela parasse de colocar flores na casa para posar para o quadro. O casal está feliz, calmo e suspenso no ar. Quando ele beija Bella entra na esfera do impossível e da alegria plena. Esse amor também gerou uma série de outrsa pinturas para enaltecer o carinho que tinha por sua primeira esposa.Chagall é genial pelo estilo, pelas cores, pela interpretação que faz dos personagens, pelo simbolismo que coloca em todas as suas obras. Essa pintura faz parte do acervo do MoMA e foi pintada à óleo sobre papelão.
7. O beijo em uma história em quadrinhos –
A publicidade da TV e do cinema ganhou novas dimensões com a Pop Art e, sem dúvida, Roy Lichtenstein é um dos maiores artistas desse movimento. Kiss II é a sua obra mais importante e que o promoveu para a fama. Sua pintura é única, com contornos fortes em preto, cores chamativas e destaques como nos melhores HQs. Pela Internet não dá para ver, mas cada uma dessas cores é formada por inúmeras bolinhas perfeitas e pintadas uma a uma, mas que parecem resultado de uma rotativa de alta velocidade.
8. O beijo enrolado de Picasso –
Pablo Picasso (1881 – 1973) teve muitas facetas e todas elas foram geniais. Ele foi um dos maiores artistas do século 20. Pintou até as últimas horas de seus 91 anos de vida. Aos 86 anos, fez um esboço a lápis e pintou O Beijo (1969), uma obra explosiva, que captura alegria, movimento, paixão e ternura. É um quadro com predominância de azul e de ginga, assim como Picasso era nas telas e na vida real. Obras do artista podem ser vistas no Museu Picasso, em Paris.
9. O beijo que encaixa –
O Beijo foi produzido pelo pintor expressionista Edvard Munch (1863 – 1944), o mesmo que pintou O Grito. Ele estudou em Oslo e usava a arte como uma arma para lutar contra a sociedade. Defendia temas sociais e deixava transparecer a fragilidade e a transitoriedade da vida. Costumava retratar ciúmes, anseios e desesperos. Questionava a existência do ser humano e registrava obsessões como solidão, terror, morte e melancolia. Às vezes, é difícil acreditar que um quadro tão tranquilo como esse foi produzido por ele. A obra encontra-se no Museu Munch, repleto de obras do artista.
10. O beijo socialista –
Meu Deus, Ajuda-me a Sobreviver a Este Amor Mortal foi um dos primeiros grafites a ganhar visibilidade planetária. Foi produzido no Muro de Berlim em 1990 a partir da inspiração de uma de 1979 de Régis Bossu. Mostra Leonid Brezhnev e Erich Honecker em um grande beijo socialista. Como um símbolo de fraternidade, igualdade e solidariedade, o beijo fraternal socialista era uma expressão de entusiasmo no movimento operário no século XIX. Esse tipo de beijo tornou-se uma saudação ritualizada entre os líderes dos países comunistas e foi usada por dirigentes do terceiro mundo e por diversos líderes de movimentos de libertação. O grafite foi produzido em 1990 pelo pintor russo Dmitri Vrubel. Ele nunca ganhou dinheiro com a obra, apesar de ela continuar sendo fotografada por milhões de visitantes do East Side Gallery (antigo Muro de Berlim).
11. O beijo pós-guerra –
Um marinheiro beija com paixão uma enfermeira no final da Segunda Guerra Mundial. A comemoração amorosa na Times Square (Nova York) foi registrada fotógrafo da revista Life, Alfred Eisenstaedt, em 14 de agosto de 1945. A imagem foi eternizada, percorreu o mundo e até hoje é símbolo de amor. Mas, a história verdadeira é que ele foi um beijo roubado, entre dois estranhos: George Mendonsa e Greta Zimer Friedman. Essa foto recebeu uma releitura produzida por Eduardo Kobra (grafiteiro e que hoje é um muralista). A obra foi batizada como Explosão de Amor, mas todos chamam de ‘Kiss’. Ela foi produzida em quinze dias e está instalada em uma parede branca de um edifício dos anos 30, próxima à High Line, uma passarela maravilhosa criada para pedestres. O grafite colorido é, merecidamente, uma das atrações turísticas de Nova York.
12. O beijo japonês –
Esta tela é uma das obras mais recatadas de Utamaro Kitagawa (1753 – 1806), artista japonês que concentrou seu trabalho em cenas de amor e sexo. Ao chegaram na Europa, suas obras causaram burburinho e foram fonte de inspiração dos impressionistas, em especial pelo uso de luz, sobras e pela forma como retratava os olhares. Suas pinturas dispensam explicações. Então, vou deixar para a curiosidade de cada um a pesquisa e a interpretação de suas obras. Muitos de seus desenhos estão expostos no Museu Britânico.
13. Beijo Coronavírus –
René Magritte (1898 – 1967) foi um dos um dos principais artistas surrealistas da Europa e ficou famoso pelas das metáforas de suas obras. Certamente, Os Amantes é uma de suas obras mais impactantes. Mostra um casal se beijando, mas os dois estão com capuzes e o beijo acontece sem contato físico, bem no estilo de prevenção para o COVID-19. Suas obras sempre despertam o debate e um conjunto de interpretações. O nome da pintura dá a dica sobre o que retrata e a imagem mostra o distanciamento do casal: pouco contato físico, amor proibido, apaixonado e incompleto. Mas também pode ser uma metáfora envolvendo a mãe do artista, cujo corpo foi encontrado sem vida, vestido com roupas brancas e com o rosto molhado. É uma pintura perturbadora que subverte nosso prazer voyeurístico, cobrindo os rostos para esconder a identidade do casal, em uma cena melodramática que poderia estar em um filme de terror. Magritte dizia que “a realidade é tão ambígua, incoerente e abstrata como qualquer pintura”. Alguém duvida disso?
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