Em 2022, os gastos totais com segurança pública, que vinham aumentando ano a ano, alcançaram R$ 595 bilhões, o equivalente a 5,9% do Produto Interno Bruto (PIB), impulsionaram a redução de algumas modalidades de crime, como os homicídios, mas não alteraram a percepção da população. O brasileiro, especialmente o que mora nas grandes cidades, continua se sentindo inseguro, vê sua capacidade de mobilidade e de trabalho reduzidas, o patrimônio ameaçado e o bem-estar afetado.

Há, ainda um agravante: as novas tecnologias que surgiram para facilitar a vida das pessoas encontraram terreno fértil para a perpetração de golpes que tornaram o país um dos mais visados para fraudes virtuais. Embora não existam ainda estimativas, o sociólogo Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), diz que, pelos relatos analisados pelos especialistas, os crimes virtuais representam, em volume financeiro, prejuízos bem superiores aos tradicionais crimes contra o patrimônio. “Golpes na internet e furto de celulares rendem mais que ataques a caixas eletrônicos, assaltos a banco ou outras modalidades criminosas”. As fraudes virtuais se expandiram com a pandemia e, em 2022, chegaram a 8,5 milhões de ocorrências, segundo instituições financeiras e entidades de proteção ao crédito.

Dados da Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos (SAE), da Presidência da República, apontam que, em 2022, só a iniciativa privada gastou com segurança R$ 171 bilhões, o equivalente a 1,7% do PIB.

Os dois principais indicadores de violência, o Anuário do FBSP e o Atlas da Violência 2023, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mostram que, depois que estados e municípios passaram a adotar programas de ação e prevenção, os homicídios diminuíram.

Pelo Anuário, de 2021 para 2022, as mortes violentas com dolo caíram de 40.336 para 39.629.
Já pelo Atlas, que incorpora também informações do Ministério da Saúde, em 2021 foram 47.487 homicídios, 4,1% a menos do que 2020, quando foram registrados 49.868 casos.
Na década analisada, entre 2011 e 2021, a queda foi de 9,4%. Ainda assim, segundo Lima, a sensação de insegurança não foi alterada.

“Mesmo com os homicídios em queda, o brasileiro se sente apavorado”.

O roubo e furto de veículos aumentaram 8% de 2021 (334.715) a 2022 (373.225) e o elevado número de roubos em geral contra o patrimônio subiu de 926.423 para uma freqüência de 2.538 casos por dia.

As espetaculosas operações que resultam em confronto em morros ou favelas entre polícia e bandidos, que frequentemente terminam em execuções ou em mortes com os moradores em meio ao fogo cruzado, também contribuem para aumentar a insegurança nas grandes cidades. Em 2022 foram 6.429 mortes por intervenção policial, representando 13,5% dos homicídios em geral.

Custos da violência

• Em 2022 os gastos públicos e privados com segurança pública alcançaram R$ 595 bilhões ou algo em torno de 5,9% do PIB brasileiro
• Apenas as empresas gastaram R$ 171 bilhões, o equivalente a 1,7% do PIB*
* Dados da Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência da República
• O total de roubos em 2022 foi de 962.423 casos, taxa de 456,2 por 100 mil habitantes;
238 roubos contra instituições financeiras, com taxa de 0,4 por 100 instituições; e, 13.032 roubos de cargas, com taxa de 6,5 por 100 mil habitantes**
**Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

O jornalista Bruno Paes Manso, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP, diz que a proliferação das facções criminosas que se articulam a partir dos presídios e a disputa por territórios entre o tráfico e as milícias revelam-se um agravante no cenário da violência.

“São mais de 70 facções no país. Duas delas, o Comando Vermelho o PCC, atuam no comércio atacadista internacional da cocaína, articulados com gangues dos países produtores e ganham em dólar. Mesmo com o crescimento dos investimentos em segurança, a polícia repete vícios, apostando em operações ostensivas, quando é necessária a ação de planejamento e inteligência, compreensão do crime nos aspectos financeiros e de infiltração da política entre os criminosos.”

(In)segurança pública: gastos de bilhões de reais não aliviam sentimento de pavor
As próprias forças de segurança são fatores de intranquilidade para a população (Crédito:Fabio Teixeira)

É consenso entre os especialistas que a diminuição da violência que assusta e inibe a população passa, necessariamente, pelo protagonismo do governo federal na coordenação de ações integradas com estado e municípios por meio de um plano nacional de segurança a longo prazo.

Renato Sérgio de Lima acha que, como o combate a crimes violentos ou contra o patrimônio não produzirá resultados imediatos, o governo deveria agir como o gestor que investe em obras de saneamento básico que ninguém vê, até que os indicadores apontem as mudanças.

Lima acha que a troca do ministro Flávio Dino pelo ex-ministro do STF, Ricardo Lewandowski, no Ministério de Justiça e Segurança Pública, reduziu a articulação com os estados a ponto de parecer que o governo federal quer coordenar mais a segurança, que não é só dinheiro. “O país tem 1.600 agências de segurança, 86 delas policiais que deveriam agir com protocolos comuns. Falta coordenação do sistema, capacidade de governança e integração.”