"ProtestoFrustração com o atual governo incentivou uma maior articulação de campanhas para o Congresso ligadas aos movimentos negro, indígena, de mulheres, ambientalista e LGBT+, apontam organizações ouvidas pela DW Brasil.Um Congresso Nacional mais diverso e comprometido com uma agenda de justiça social, direitos humanos e preservação do meio ambiente. É com esse objetivo em mente que organizações da sociedade civil têm se engajado em iniciativas suprapartidárias para impulsionar candidaturas do campo progressista e engrossar suas fileiras na Câmara e no Senado.

Na avaliação de organizações ouvidas pela DW Brasil, a insatisfação e a frustração desses setores com o governo do presidente Jair Bolsonaro – reprovado por 45% do eleitorado, segundo a última pesquisa Datafolha – incentivam uma maior articulação de campanhas ligadas aos movimentos negro, indígena, de mulheres, ambientalista e LGBT+.

"Por conta do Bolsonaro está crescendo uma vontade nessas pessoas de ocupar cargos políticos. Lideranças que não pensavam nisso passam a se sentir responsáveis, se veem convocadas a ocupar esses lugares”, afirma Hannah Maruci, do A Tenda, projeto social de formação política para mulheres.

Ela define essa movimentação do campo progressista como um "jogo de resistência”, em que o avanço de setores conservadores encontra resposta na mobilização de ativistas e lideranças comunitárias para ocupar a política institucional.

Ingrid Assunção, do Instituto Update, diz acreditar que mais mulheres, negros, indígenas e LGBTQ serão eleitos este ano – o que, ela pondera, não necessariamente significa um avanço do campo progressista.

Assunção ressalta, porém, a importância da representatividade para a formação de futuras lideranças e a democratização do fazer político, além de contribuir para atenuar violências às quais grupos minoritários no Parlamento ficam expostos.

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Ela cita como exemplo o caso de Joênia Wapichana (Rede-RR), que em 2018 se tornou a primeira mulher indígena eleita deputada federal e segunda pessoa indígena a chegar ao Congresso, depois do deputado Mário Juruna (1983-1987).

"A representatividade nesses espaços constrói uma estética política que encoraja outras mulheres indígenas a quererem estar ali”, afirma. "E apesar de essas mulheres estarem ali fazendo história e estimularem outras, se elas estão sozinhas, a possibilidade de sofrerem violência política é muito maior.”

Mais representatividade no Parlamento

Entre as movimentações políticas do campo progressista para a campanha deste ano está o Quilombo nos Parlamentos, que reúne mais de 30 pré-candidaturas negras ao Congresso comprometidas com uma agenda antirracista de desenvolvimento. A articulação tem o apoio de mais de 250 organizações do movimento negro.

A iniciativa é vista como positiva pelo professor de Sociologia e Ciência Política da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Luiz Augusto Campos. Segundo ele, esse tipo de exposição e visibilidade tende a melhorar o trânsito de candidaturas negras dentro dos partidos, facilitando a negociação de verbas e apoio partidário.

Para ele, se a movimentação trará retornos eleitorais concretos, ampliando a presença negra no Congresso, isso é algo questionável. "Tivemos um avanço muito medíocre em 2020 para o Legislativo municipal e até um retrocesso nos cargos ao Executivo”, afirma Campos.

Outra frente é a Campanha Indígena, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que encampa a pauta ambientalista e de defesa dos direitos dos povos originários. É a primeira campanha do tipo ao Congresso Federal, integrada unicamente por candidatos e candidatas indígenas. Nas eleições municipais de 2020, o movimento conseguiu eleger 11 indígenas.

"A sociedade está cansada do desgoverno de Bolsonaro e seus aliados, que constantemente ataca os direitos dos povos originários e destrói o meio ambiente. É preciso renovar a política, e nada melhor do que fazer isso com quem sempre esteve aqui, os povos indígenas. Há mais de 500 anos existimos e resistimos a este Estado e agora queremos ver os parentes no centro das tomadas de decisões”, afirma Dinamam Tuxá, advogado e coordenador executivo da Apib.

Fechados com a Campanha Indígena na corrida à Câmara estão nomes de peso como Joênia Wapichana (Rede-RR), que tentará a reeleição, e Sônia Guajajara (Psol-SP), que em 2018 foi candidata a vice-presidente na chapa encabeçada por Guilherme Boulos e é uma das grandes apostas do Psol neste ano. A lista completa de candidaturas deve ser revelada ainda este mês.

Já a organização VoteLGBT mapeou até agora 97 candidaturas ao Senado e à Câmara, sendo 30 de pessoas trans. O levantamento, feito em parceria com a ABGLT e Victory Institute, inclui postulantes de todos os espectros políticos. A expectativa é de que 2023 inaugure um marco histórico para a militância LGBT+ com a conquista do primeiro mandato trans no Congresso – bem cotadas para a disputa estão as vereadoras Erika Hilton (Psol-SP) e Duda Salabert (PDT-MG), assim como a deputada estadual Robeyonce Lima (Psol-PE).

"Tem muita gente topando o desafio de entrar na política institucional”, avalia Bia Paes, do coletivo Meu Voto Será Feminista. Ela diz que de 2018 para cá houve um aumento perceptível no número de iniciativas de formação de lideranças políticas nos mais diversos campos – movimento negro, feminista, ambientalista, indígena, quilombolas, sem-teto e sem-terra –, mas que essas candidaturas são as que menos se elegem.


Segundo Paes, a relutância dos partidos em abrir espaço para o protagonismo desses setores – especialmente mulheres – e dividir recursos de forma mais igualitária torna essas campanhas pouco competitivas.

"O gargalo partidário é o principal obstáculo à presença das mulheres e de pessoas diversas nos espaços institucionais. Sem mexer nisso a gente vai ter muita iniciativa, vai conseguir aqui e ali fazer um rasgo no sistema – mas é uma que entra. E elas viram outsiders. A gente luta para que elas sejam uma bancada”, afirma Juliana Romão, também do Meu Voto Será Feminista.

Paes cita ainda o despejo de recursos públicos promovido pelo governo federal às vésperas da eleição, para angariar votos, como um outro fator que deixa as candidaturas do campo progressista em desvantagem.

Agenda ambiental mais em evidência

Entre ambientalistas, a expectativa é de que a pauta ambiental também esteja mais presente na agenda de candidatos ao Congresso, o que contribuiria para uma eventual ampliação de uma bancada mais alinhada ao tema.

André Lima, do Instituto Democracia e Sustentabilidade, lembra que nos últimos quatro anos a questão tem ganhado maior exposição midiática devido à urgência da crise climática, ao aumento do desmatamento e das queimadas na Amazônia, e também devido às críticas a iniciativas do governo Bolsonaro nessa área.

"Acho que devemos eleger mais parlamentares interessados na pauta socioambiental, simpatizantes ou potenciais aderentes. Isso não necessariamente quer dizer que candidatos que levantem a bandeira ambiental serão os mais votados, mas com certeza teremos mais simpatizantes no Congresso”, afirma Lima.

O advogado é um dos responsáveis pelo Painel Farol Verde, ferramenta que oferece ao eleitorado informações sobre a adesão e o potencial comprometimento de candidaturas à Câmara e ao Senado com pautas ambientais.

Márcio Santilli, do Instituto Socioambiental, tem expectativa semelhante. "Existe uma realidade objetiva que nos obriga a ter maior atenção para essas agendas”, declara. "Acho que teremos mais candidaturas alinhadas à agenda ambientalista, porque a sociedade civil está mais organizada. É um subproduto dessa era negativa sob o governo Bolsonaro, uma reação sadia da sociedade à conjuntura que estamos vivendo, em que essa agenda foi muito massacrada e teve muita visibilidade.”

Santilli afirma que as candidaturas indígenas, aliadas de primeira hora da agenda ambiental, estão mais organizadas e visíveis e podem surpreender em outubro. "Há um reconhecimento e uma solidariedade por parte de setores da sociedade que tempos atrás nem tinham proximidade com esses temas. Podemos ter uma surpresa muito boa em relação à receptividade dessas candidaturas.”

Hoje, a bancada ambientalista reúne oficialmente 216 deputados e deputadas e 8 senadores. Um levantamento do Monitor do Congresso, porém, aponta que o número de parlamentares comprometidos com a causa é bem menor: só 143 deputados votaram contra propostas de grande impacto negativo sobre o meio ambiente, como a liberação da mineração em terras indígenas e a mudança no registro de agrotóxicos considerados nocivos à saúde humana.

Congresso majoritariamente branco e masculino


Mudanças recentes na lei eleitoral podem ajudar a diversificar o perfil de um Congresso hoje majoritariamente branco e masculino, que contrasta com um país de maioria feminina e negra.

Ativistas e especialistas consultados pela DW Brasil, contudo, consideram as medidas insuficientes para superar o problema da subrepresentação política de grupos demográficos importantes, como negros, indígenas, mulheres e LGBT+, e são cautelosos ao avaliar seus possíveis impactos na próxima legislatura.

De cada 100 pessoas eleitas para o Legislativo Federal no último pleito, em 2018, 85 eram homens, e 75 se autodeclararam brancos – 51% da população brasileira são mulheres, e 56%, pretos e pardos.

Quando a intersecção entre gênero e raça é considerada, o quadro é ainda pior: em 2018, o percentual de mulheres eleitas que se autodeclararam pretas e pardas foi de 2,5% – 14 parlamentares, sendo uma ao Senado, para representar o maior grupo demográfico do Brasil, já que mulheres pretas e pardas perfazem 28% da população.

"Não haverá democracia neste país enquanto os grupos historicamente marginalizados não estiverem proporcionalmente representados nesses espaços de poder de onde saem as decisões que impactam as suas vidas”, afirma Laura Astrolabio, do A Tenda.

Candidaturas em 2022

Até a manhã desta quarta-feira (17/08), o sistema do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) totalizava 4.883 candidaturas à Câmara de pessoas que se autodeclaram pretas ou pardas, o equivalente a 47,5% dos registros feitos até então – um crescimento em números absolutos e relativos em relação a 2018, quando as quase 3.600 candidaturas registradas eram 41,8%.

As candidaturas negras ao Senado, contudo, caíram proporcionalmente em relação a 2018: até o fechamento desta reportagem eram 73, pouco mais de 31% do total e em números absolutos 47 a menos que na eleição anterior, quando eram 33,5% – este ano, porém, apenas um terço dos assentos da casa (27) serão renovados, o que explica em parte o menor número de candidaturas.

As candidaturas indígenas registraram um leve crescimento: 55 disputarão uma vaga na Câmara, 16 a mais que no pleito anterior, e três tentarão o Senado – um a mais que em 2018. O percentual de indígenas concorrendo ao Legislativo Federal, contudo, não passa de 0,5%.

Quanto às candidaturas de mulheres, elas estarão em 2022 proporcionalmente em maior número na disputa: são 22,1% entre os que pleiteiam um assento no Senado e 34,4% à Câmara.


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