O Governo Federal, por meio do Comando da Aeronáutica, comprou sem licitação na quarta-feira (30) um satélite para monitoramento do desmatamento na Amazônia, apesar de ter sido alertado pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) que o satélite-radar da banda X, nos mesmos moldes do que o Ministério da Defesa estudava adquirir, não seria “apropriado” para isso. O contrato assinado com a empresa finlandesa Iceye é de US$ 33,8 milhões (cerca de R$ 175 milhões). As informações são do colunista Rubens Valente, do UOL.

O Inpe informou ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) em um documento protocolado em setembro. A Aeronáutica se recusou a informar a banda do aparelho, dizendo que o contrato tem sigilo de cinco anos. Em outubro, o órgão informou ao UOL que estudava adquirir um satélite-radar da banda X.

Segundo a reportagem, a banda é determinante para saber a capacidade de um satélite-radar, de acordo com especialistas. A banda L seria considerada a mais sofisticada e cara, enquanto a banda X, a mais simples e barata.

As informações que o Inpe enviou ao MCTI foram produzidas pela OBT-Inpe (Coordenação-Geral de Observação da Terra), como subsídio para resposta que estava sendo elaborada pela pasta para ser enviada ao deputado federal Alessandro Molon (PSB), que havia feito um requerimento de informações após a publicação de notícias que revelaram um emprenho de R$ 145 milhões no Ministério da Defesa.

Segundo a reportagem, na resposta encaminhada ao Congresso Nacional pelo ministro Marcos Pontes, subscrita pelo então secretário-executivo Julio Semeghini, há omissões e suavizações de informações do ofício do Inpe, que é contundente e detalhado ao explicar os potenciais problemas da aquisição.

Em seu requerimento, Molon diz que o satélite do tipo radar “oferta muita dificuldade na interpretação das imagens”. Ele quis saber quem seriam os responsáveis pela análise. Na resposta do MCTI, a pasta diz apenas que caberá ao Ministério da Defesa “definir as equipes de profissionais responsáveis pela interpretação da imagens geradas”. “Não se descarta, contudo, a possibilidade de estabelecimento de parcerias”.

Já a resposta de três páginas elaboradas pela OBT-Inpe é diferente e apresenta uma série de detalhes que não chegaram à Câmara dos Deputados como, por exemplo, a antecipação que técnicos do Inpe fizeram sobre a possibilidade do fornecedor ser “a companhia finlandesa Iceye, que desenvolve e opera microssatélites SAR voltados para o monitoramento de gelo no mar e geleiras”. O Inpe ainda observou que havia ouotra empresa “com produto similar (CapellaSpace)”, mas alertou que ela “ainda não deve estar no mesmo estágio comercial da Iceye”.

O Inpe também apresentou uma avaliação sobre o aparelho, dizendo que “a equipe técnica do Inpe, a partir da experiência acumulada em mais de 40 anos de trabalhos científicos com dados de radar, entende que tal banda [X] não é apropriada para o monitoramento do desmatamento na Amazônia. Esta limitação justifica-se pelo comprimento de onda em banda X, que fica próximo os 3 cm, e por isso não tem condições de penetrar no dossel da floresta, e nem permite distinguir a floresta em pé de uma área recém desmatada. Diante disto, um instrumento em banda X não oferecerá o grau de exatidão requerido para o monitoramento do desmatamento e emissões de alertas”.

À reportagem, o ex-diretor do Inpe Gilberto Câmara também afirmou que o aparelho da Iceye poderia ser útil para diferenciar gelo de água, mas não para o ambiente de floresta amazônica.

A resposta da OBT-Inpe também disse que o órgão não teve qualquer participação na escolha do satélite-radar pelo Ministério da Defesa, apesar do Inpe ser, há 59 anos, o instituto federal especializado em ciência espacial.

Em nota, a Aeronáutica diz que busca cumprir “objetivos da estratégia nacional de defesa”. Leia a nota na íntegra.

“Buscando cumprir os objetivos da Estratégia Nacional de Defesa, foi desenvolvido o Programa Estratégico de Sistemas Espaciais (PESE), que elencou capacidades a serem adquiridas no segmento aeroespacial brasileiro, para atender às necessidades estratégicas das Forças Armadas e da sociedade brasileira.

A aquisição de um microssatélite SAR, sendo operado pelo Centro de Operações Espaciais (COPE) da FAB, promove a soberania do país no monitoramento satelital por meio de imagens de radar.

Conforme publicado no Diário Oficial da União (DOU), de 22 de dezembro de 2020, foi instaurado um processo de dispensa de licitação enquadrado no artigo 24, inciso IX da lei 8.666/93 para a Aquisição de Sistema de Sensoriamento Remoto. Para selecionar o fornecedor, foi utilizado um processo de seleção previsto na DCA 400-6, do qual participaram 15 empresas. Este será o primeiro sistema do Projeto Lessonia-1, previsto no Programa Estratégico de Sistemas Espaciais (PESE), cujo principal objetivo é prover infraestrutura espacial para ser usada estrategicamente, e de modo potencializador, no Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul (SisGAAz), no Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (SISFRON), no Sistema de Defesa Aeroespacial Brasileiro (SISDABRA), no Sistema de Proteção da Amazônia (SIPAM) e afins.

O objeto do processo de contratação se refere à aquisição de um Sistema Espacial, compreendido por microssatélite, equipamentos de solo para a operação do sistema, integração dos equipamentos existentes ao sistema espacial, suporte logístico, serviços de lançamento e comissionamento, além de treinamento. A previsão de início de operação do sistema é no segundo semestre de 2022. O contrato de aquisição, com grau de sigilo Reservado, foi assinado no dia 30 de dezembro de 2020.”