“Acreditei em um sonho e consegui. O esporte me deu isto, mas acabou de me tirar tudo” Andre Brasil, nadador paralímpico (Crédito:Heusi Action / Gabriel Heusi)

“Acreditei em um sonho, lutei e consegui alcançá-lo. Representei meu País e mostrei que é possível chegar lá com dedicação e esforço. O esporte me deu isto e hoje acabou de me tirar tudo. Foi como se meus 14 anos na piscina nunca tivessem existido.” Feito às oito da manhã da quinta-feira 25, o desabafo do nadador paralímpico Andre Brasil sintetizou de forma crua a indignação que ele sentia desde a tarde do dia anterior, quando foi informado pelo Comitê Paralímpico Internacional (CPI) que não atendia aos critérios necessários para ser encaixado como atleta paralímpico. Por esta decisão, Andre, um dos maiores campeões da modalidade, estava fora das piscinas para sempre.

O atleta se recupera de uma cirurgia nos ombros e vinha trabalhando para ficar em forma a tempo de disputar o Campeonato Mundial de Natação, a ser realizado entre julho e agosto. Mas não poderá participar já deste evento. Dos outros que virão, não se sabe. Na quinta-feira 25, Mizael Conrado, presidente do Comitê Paralímpico Brasileiro, mobilizava-se para entrar com um recurso junto ao CPI. “Faremos isto o mais rapidamente possível. Confio que reverteremos esta injustiça”, informou.

Ninguém entendeu direito o que aconteceu. As avaliações dos atletas são feitas periodicamente. No ano passado, no entanto, o comitê internacional alterou os critérios de classificação funcional e foi por este novo filtro que Andre não passou. Depois de 14 anos sendo considerado deficiente aos olhos da entidade, de um dia para outro ele não teria mais limitações, segundo o mesmo comitê. Para se ter ideia do disparate, até quarta-feira de manhã o brasileiro encontrava-se na categoria S 10 (“s” de swimmer, nadador em inglês), a mais alta na gradação de deficiências. A mais baixa é S 1. À tarde, não tinha limitação alguma.

Lesões comprovadas

Andre teve poliomielite aos dois meses de idade. A doença, de origem viral, deixou sequelas na perna esquerda devidamente comprovadas por exames médicos e atestadas pelos avaliadores até hoje. Em 2005, ele chegou a ser afastado das piscinas após uma reclassificação, mas voltou à água um ano depois.

Curiosamente, a paixão pela natação veio por causa da doença. Até os oito anos, ele já havia sido submetido a oito cirurgias e, na luta para superar as limitações, descobriu nas piscinas seu tratamento e o grande prazer da sua vida. O atleta construiu uma carreira brilhante. Conquistou 47 medalhas de ouro, 15 de prata, cinco de bronze e quebrou quatro recordes mundiais.

Na manhã da quarta-feira 24, quando se apresentou no Centro de Treinamento em São Paulo para ser avaliado por dois representantes do comitê internacional, o nadador estava tranquilo. Havia apresentado os dados médicos que comprovam suas limitações e sabia que nada havia mudado. Fez os exercícios solicitados e recebeu exatamente a mesma pontuação que tinha obtido na última classificação. Os avaliadores implicaram com seu desempenho dentro da água. Apontaram, entre outras coisas, que havia certo movimento dos dedos dos pés e que seu tornozelo tinha mobilidade, o que o colocaria em vantagem em relação aos outros atletas. Nada disto, porém, faz diferença na performance. Imagens subaquáticas de outros atletas, inclusive, mostram habilidades iguais ou até maiores.

Andre saiu do centro de treinamento somente no início da tarde, exausto e sem chão depois de ouvir o veredicto dos examinadores. “Eles tiraram minha autonomia para decidir meu destino. Fui demitido sem possibilidade de me defender”, disse no dia seguinte, pouco antes de seguir para uma entrevista coletiva. O nadador que enche o Brasil de orgulho teve de tomar um remédio para conseguir dormir de quarta para quinta-feira 25 e só fez um pedido antes de falar com os jornalistas: não queria que a conversa fosse feita perto da piscina. “Não consigo. Preciso de um tempo.”