À custa dos cofres públicos, parlamentares beneficiam em projetos da chamada pauta-bomba os próprios familiares, setores dos quais fazem parte, empresas que os financiaram ou interesses específicos para a reeleição deste ano. É o que mostra levantamento feito pelo ‘Estadão/Broadcast’ nos dez principais itens da “farra fiscal”, como foi apelidado o avanço da votação de projetos que podem provocar uma perda de R$ 100 bilhões à União.

Por trás dos projetos, o “carimbo” deixado por senadores e deputados mostra que não há distinção partidária nem regional. Líderes do governo, que deveriam comandar a barreira para derrubar as propostas, agem de forma contrária e trabalham pela sua aprovação.

Há casos de troca de favores diretos entre parlamentares, como foi a articulação da votação no Senado do decreto que suspende a redução do benefício tributário da Zona Franca de Manaus para a indústria de refrigerante. Parlamentares que não tinham interesse na Zona Franca votaram a favor na combinação de apoio por outros projetos do seu interesse.

“A cada dia, o Poder Executivo tem menos poder e o café vai ficando mais frio”, diz o cientista político Murillo de Aragão, presidente da Arko Advice. Para ele, a votação da farra fiscal reflete em primeiro lugar a situação de um governo central sem perspectiva. “O presidente não vai ser reeleito, nem provavelmente elegerá o seu candidato. Isso faz com que a principal liderança política do País fique enfraquecida”, afirma.

Na sua avaliação, o predomínio da agenda legislativa, principalmente na Câmara, controlada pelo chamado Centrão, e o final de governo sem pauta forte de votação completam o cenário que permite que as agendas fiquem abertas para quem tiver poder de influenciar.

Por exemplo: foi iniciativa do Congresso a abertura de um programa de parcelamento de débitos tributários para as empresas optantes pelo Simples Nacional, que oferece carga tributária menor. O deputado Otávio Leite (PSDB-MG) incluiu os generosos descontos em um projeto originalmente apresentado pelo MDB, levando a uma fatura de R$ 7,8 bilhões em renúncias nos próximos 10 anos.

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“Era um absurdo o Brasil oferecer às médias e grandes empresas uma oportunidade de parcelar seus débitos e não fazer o mesmo com as micro e pequenas empresas”, justifica o tucano. O presidente Michel Temer chegou a vetar o programa diante dos alertas da equipe econômica para a ausência de previsão no Orçamento, mas o veto acabou sendo derrubado pelo Congresso Nacional com aval do próprio Palácio do Planalto.

A abertura do Refis do Simples foi a senha para que o deputado Jorginho Mello (PR-SC) intercedesse por empresas que haviam sido excluídas do regime justamente por não pagarem suas obrigações. A ideia é permitir que essas companhias retornem ao Simples depois de negociarem os débitos com abatimentos. Sem isso, elas teriam de pagar mais impostos.

A medida pode beneficiar 312 mil empresas. Mello é presidente da Frente Parlamentar Mista da Micro e Pequena Empresa. Ele nega o interesse eleitoreiro. “Isso é uma babaquice, uma bobagem. Eu trabalho e defendo micro e pequena empresa há muitos anos”, afirma. Otávio Leite também diz não mirar eventuais dividendos da medida em ano de campanha.

Benefícios

Para o economista Marcos Lisboa, presidente do Insper, o que se vê em Brasília é a reação dos grupos organizados da sociedade que pressionam por benefícios e privilégios particulares. Ele avalia como positivo o fato de os problemas estarem à mostra e sendo discutidos. “Se comparado com o que foi feito em 2009 e 2010, era muito mais”, avalia. “O dinheiro acabou e tem uma parte do governo que tem sanidade e está dizendo: ‘Chega! Não dá mais’.”

Embora considere que tem conseguido barrar as propostas mais danosas, a área econômica, segundo apurou o Estadão/Broadcast, se assustou com a repercussão das notícias sobre o tamanho da farra fiscal, de R$ 100 bilhões. Investidores internacionais começaram a procurar o Ministério da Fazenda preocupados com o risco para as contas públicas caso os projetos fossem aprovados, o que exigiu uma ação de contenção de danos da imagem do Brasil.

Uma estratégia está sendo reforçada para impedir o avanço desses projetos nas três semanas de votação entre a volta dos trabalhos legislativos e as eleições. O Tribunal de Contas da União também tem sido aliado do governo na tentativa de barrar essas medidas que têm impacto nos cofres da União.

Agenda econômica vs. Eleições

Com a proximidade das eleições, a base aliada do governo no Congresso passou a apoiar medidas que vão contra os interesses da área econômica, mas que rendem dividendos durante a campanha. Parlamentares do MDB, partido do presidente Michel Temer, apoiaram desde a derrubada dos vetos aos programas de parcelamento de débito tributário até o restabelecimento de benefícios para grandes empresas do setor de bebidas na Zona Franca de Manaus.

Já a votação na Câmara do projeto de lei que concede às transportadoras uma série de desonerações de tributos foi simbólica, ou seja, os deputados sequer precisaram entregar um a um seu voto. Segundo apurou o Estadão/Broadcast, essa estratégia foi adotada para que ninguém precisasse colar o seu nome a um projeto que pode desfalcar os cofres públicos em pelo menos R$ 27 bilhões até 2020. Sem força política para barrar a proposta, a base aliada preferiu “engolir” mais um capítulo da farra fiscal no anonimato.

A avaliação no Congresso é que a desmobilização que tem caracterizado o fim do governo dá liberdade as parlamentares para defenderem efetivamente suas agendas, independentemente de gastos e do risco de desgaste com o Palácio do Planalto. A estratégia é jogar no colo de Temer a responsabilidade de comprar a briga por meio dos vetos – muitas vezes derrubados pelos parlamentares.


Articuladores políticos do governo reconhecem que projetos que envolvem Simples Nacional, por exemplo, costumam impor derrotas à equipe econômica, por se tratar de um tema relativamente popular. Ao todo, 12 milhões de empresas são beneficiadas por esse regime tributário mais favorável.

O Refis do Simples Nacional, que havia sido vetado por Temer acabou sendo restabelecido pelo Congresso por quase unanimidade (apenas um deputado foi contrário). O amplo apoio se repetiu no projeto que resgatou empresas do Simples Nacional excluídas do regime no início do ano devido ao atraso nos pagamentos. Foram 270 votos favoráveis, incluindo apoios de MDB, DEM, PP e da oposição, e apenas um contra.

No Senado, a bancada do Amazonas reúne parlamentares de diferentes espectros políticos: Vanessa Grazziotin (PcdoB), Omar Aziz (PSD) e Eduardo Braga (MDB). Mas isso não foi obstáculo para que eles agissem em prol do restabelecimento de benefícios a grandes empresas de bebidas. No fim das contas, nem o líder do governo no Senado, Romero Jucá (MDB-RR), defendeu a posição da equipe econômica de acabar com o incentivo e se absteve na votação. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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