TROCA DE FORNECEDOR O empresário Roberto Libutti compra vinhos de boa marca, mas abaixo de R$ 50, em empórios alternativos (Crédito:Wanezza Soares)

Pelo terceiro mês consecutivo, os economistas confirmam o que o brasileiro já sabe: comer ficou ainda mais caro. A inflação registrada pelo mercado foi de 0,95%, a maior do mês de março desde 2015 (1,24%). Entre os nove grupos de itens que compõem o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor), usado como base de cálculo da inflação, a alimentação comportou-se como a mola propulsora do aumento do custo de vida. Na cesta de legumes, verduras e frutas, os recordistas são a cenoura (que subiu 45,65% em março), seguido do repolho (29,68%) e da abobrinha (28,46%). Ao computar o aumento dos alimentos nos últimos 12 meses, o resultado é ainda mais impactante. Em primeiro lugar está a cenoura, que aumentou 121,64%, em segundo, o tomate, 66,36%, e em terceiro, o café moído 62,36%. A inflação acumulada registrada nos últimos 12 meses chegou a 10,79%, um número considerado abaixo da realidade na perspectiva dos consumidores ouvido por ISTOÉ.

A aposentada paulistana Analena Lopes, de 70 anos, por exemplo, afirma que gasta 20% a mais do que em dezembro para fazer a feira. “No ano passado, para comprar frutas e verduras para minha família – somos quatro pessoas em casa –, R$ 100 era o suficiente. Hoje, gasto R$ 120 e levo menos itens”, revela Analena, reforçando que a aposentadoria continua a mesma. Às vezes, ela troca a feira pelo supermercado, que nem sempre tem tanta qualidade, mas oferece melhores preços. “Aqui sempre damos um desconto no final”, se defende Carlos Jorge, de 71 anos, que monta sua banca de legumes na feira livre da Vila Mariana, em São Paulo, há 40 anos. “Os preços estão assim altos por causa das safras, que foram ruins devido ao tempo. Em janeiro, choveu muito acima da média, o que prejudicou a colheita.”

De fato, em janeiro o Centro Oeste e o Sudeste sofreram com o excesso de chuva, que atrasou e prejudicou a qualidade das colheitas, como a da cenoura e do tomate, que viraram estrelas da inflação. Além dos fatores climáticos, houve também o impacto da guerra entre Ucrânia e Rússia, deflagrada em 24 de fevereiro, que elevou o preço das commodities internacionais, como o petróleo. Em março a Petrobrás aumentou o valor na bomba de combustível, do diesel (24,9%) e da gasolina (18,8%). Consequentemente o preço do frete rodoviário subiu, elevando o valor dos alimentos em geral.

NA FEIRA Cenoura em maço virou raridade, quando tem, custa R$ 8 cada um (Crédito: Keiny Andrade)

Substituir marcas mais caras por outras mais baratas, cortar do lazer restaurantes da moda e diminuir serviços são algumas das alternativas que o brasileiro de classe média vem encontrando para driblar os aumentos consecutivos deste ano. “Eu costumava comprar vinhos em supermercados grandes. Agora só compro em um empório pequeno, onde acho marcas interessantes a preço abaixo de R$ 50”, diz o empresário divorciado Roberto Libutti, de 55 anos, que mora sozinho, nas proximidades da Avenida Paulista. Quem mora com a família e ainda tem animais domésticos faz uma ginástica financeira ainda maior. É o caso do empresário Jairo Koda, 56. “Diminuí o número de banhos dos cachorros – são três – no pet shop. Passei a dar banho neles em casa também”, diz Koda,que incorporou à rotina a pesquisa de preços nos supermercados da redondeza.

Mas para os especialistas a dívida pública preocupa mais do que a inflação dos alimentos. “O preço da alimentação flutua mesmo e pode ser muito afetado por uma safra ruim”, diz o economista Cleveland Prates, professor da Fundação Getulio Vargas. “A questão é o mercado ter hoje uma expectativa ruim no que se refere aos gastos do governo. E são essas expectativas que formam a taxa de juros real e ajudam a elevar a inflação.” De acordo com Prates, durante a pandemia, os municípios e estados tiveram aumento de arrecadação justamente devido à inflação, e, com isso, conseguiram equilibrar as contas. Agora, com as eleições à vista, já estão gastando mais do que arrecadam, enquanto a população continua a apertar o cinto.