Em 1964, Oscar Niemeyer (1907-2012) estava em Paris quando soube que o Brasil havia sofrido um golpe militar. Entristecido, desiludido ao ver sua Brasília servir aos generais, recordou-se de uma frase de 1959 do escritor francês André Malraux (1901-1976), seu amigo, sobre a futura capital. “Vejo as colunas do Alvorada e imagino que belas ruínas elas nos darão no futuro”, disse Malraux, durante o Congresso Internacional Extraordinário dos Críticos de Arte, realizado no Brasil.

O arquiteto externou suas dores pintando as telas Ruínas de Brasília. Nos dois óleos, reproduziu as colunas do palácio, que serve de residência de presidentes da República e foi o primeiro prédio público da cidade a ser inaugurado, fora de seus pilares – uma delas, tombada ao chão, como a democracia. Expressionistas, os quadros, únicos em sua produção, são duas das raridades que compõem a exposição Oscar Niemeyer – Territórios da Criação, aberta na Pinakotheke Cultural Rio de Janeiro por ocasião dos 110 anos de seu nascimento.

“Niemeyer era um humanista. Imagina o que sentiu ao saber o que tinha acontecido à cidade que construiu”, diz Max Perlingeiro, diretor da Pinakotheke e curador da mostra, com Marcus Lontra, que teve larga convivência com o arquiteto. “Naquela época, as informações não chegavam tão rapidamente. O mal-estar de Niemeyer foi grande ao ver um projeto de Brasil e de Brasília terminar, um sonho destruído”, acrescenta Lontra, para quem o País deve à Niemeyer o protagonismo estético assumido no mundo já na primeira metade do século 20, com a criação do conjunto da Pampulha, em Belo Horizonte.

O público encontra na mostra um conjunto de 25 desenhos, esculturas e peças de mobiliário de Niemeyer que atravessam todo o século 20 e início do 21. As construções de Brasília, o Museu de Arte Contemporânea, em Niterói, a Oca do Ibirapuera, todos em seus primeiros desenhos preparatórios. Imagens de mulheres curvilíneas, de cintura fina e nádegas grandes, displicente e alegremente nuas. Uma representação que fez da pintura Le Dèjeuner sur l’Herbe, do impressionista francês Édouard Manet (1832-1883). Os traços inconfundíveis à caneta hidrográfica sobre papel off-set e de seda.

Mostra no Rio revela bastidores da criação do arquiteto, de desenhos à peças de mobiliário, além de quadros raro

No documentário Oscar Niemeyer – A Vida É um Sopro (2007), de Fabiano Maciel, incluído na exposição, Niemeyer conta que, criança, fazia formas com o dedo no ar. “Minha mãe perguntava ‘o que você está fazendo?’, e eu respondia: ‘estou desenhando’. Então foi o desenho que me levou para a arquitetura”.

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Na sala que reúne retratos dele feitos ao longo de cinco décadas por nomes como Bob Wolfenson, Evandro Teixeira, Walter Carvalho e Walter Firmo, uma imagem mostra o cavalete que mantinha sempre por perto. “Ele conversava desenhando, chegava alguém e ele levantava para mostrar alguma coisa no papel”, lembra Perlingeiro, que conviveu com Niemeyer na condição de galerista. “Seu nascimento faz 110 anos e não vi falarem disso. Não deveríamos passar essa data sem que se fizesse uma homenagem na cidade em que ele passou praticamente a vida inteira.”

Numa vitrine da Pinakotheke, foram dispostas edições da prestigiosa revista Módulo, que Niemeyer criou nos anos 1950 para divulgar a moderna arquitetura e o design brasileiro, e até um prêmio que recebeu em 1967 como artista plástico. Do mobiliário que criou com a filha única, a galerista Anna Maria Niemeyer, que morreu seis meses antes do pai, estão a “Poltrona Alta”, da coleção pensada para o Palácio do Planalto, e a “Espreguiçadeira Rio”.

No som ambiente, ouve-se o Samba do Arquiteto, composto por Niemeyer nos anos 1960 e musicado e interpretado pelo sambista Jorge Aragão. A letra, socialista como seu autor, provoca os colegas de prancheta: “Você só fez atender ao governo materialista/ Que faz obra pra se ver, pra agradar ao turista/ Que deixa o pobre de lado, que tira o pobre da lista/ Da lista dos seus pseudoamigos capitalistas”.

O trabalho como artista e designer de Niemeyer nasceu em paralelo com sua trajetória profissional, iniciada nos anos 1930 e encerrada só com sua morte, aos 104 anos. Ele achava que a arte podia estar a serviço da arquitetura – “se você ficar preocupado só com a função (da arquitetura), fica uma merda”, definia, ao falar da importância da fruição da beleza de suas criações.

Os curadores reuniram obras de artistas que foram parceiros fundamentais, como parte do mural da igreja brasiliense de Dom Bosco, de Volpi (1896-1988), um protótipo em ferro fundido de Os Candangos, a icônica obra de Bruno Giorgi (1905-1993) em homenagem aos trabalhadores que ergueram Brasília, localizada na Praça dos Três Poderes, a Grande Flor Tropical, de Franz Weissmann (1911-2005) para o Memorial da América Latina, e um estudo de Portinari (1903-1962) para a igrejinha de São Francisco de Assis, na Pampulha.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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